sábado, 11 de abril de 2009

I - SÃO PAULO


A garoa fina e fria que caía naquela manhã deixava o dia com uma tonalidade cinza; o contorno dos prédios umidecidos se acentuava dando à cidade ar sombrio e triste. As pessoas, fechadas em seus pensamentos, cruzavam-se nas ruas sem cumprimentarem uma às outras. Eu caminhava apressado enquanto praguejava e apalpava meu agasalho que já começava a se encharcar.Olhei para o relógio exposto no meio da praça e, aborrecido, vi que estava atrasado para meu compromisso: os ponteiros indicavam 8h45 e eu tinha que comparecer às 8h30 em determinado endereço na Barra Funda, próximo à Praça Marechal Deodoro. A chuva poderia continuar nos próximos dias, pois, o clima em São Paulo é imprevisível.

Estava desempregado há dois anos e, após seis meses de busca incessante, quando consiguira uma entrevista, chegaria atrasado - pensei aborrecido. A minha situação era desesperadora e eu não podia perder mais essa chance. Além disso, fazia um ano que eu não bebia e a falta da bebida começava, verdadeiramente, me incomodar. A garganta estava seca, mas eu não cederia. Iria conseguir o emprego e voltaria a publicar meus artigos e crônicas. Esse pensamento me animou e apressei os passos.

Enfiei a mão no bolso e tirei um cartão de visitas já um pouco umidecido e voltei a praguejar: "droga de chuva, além de atrasado, não estou nem um pouco apresentável". Parei em frente ao prédio desbotado e conferi o número 2.045. Sim era esse o prédio. Era uma construção antiga, com a pintura flagelada pelo tempo. Olhei à minha volta e pareceu-me estar dentro de uma foto em tom cépia do começo do século XX. Sinceramente, o prédio não passava credibilidade.

Há alguns anos, quando meu trabalho era disputado pelas editoras e jornais, nem teria tomado conhecimento deste estranho convite. Mas, naquele momento, a realidade era outra: meus bolsos estavam completamente vazios, eu não tinha um centavo e, a água das poças nas calçadas entravam pelos furos nas solas dos meus sapatos fazendo com que eu sentisse um grande desconforto, deixando meus pés gelados: " tinha que dar certo!"

Naquele instante, pensei em como a vida era de grande frieza e abstração e, em como o tempo agira como meu algoz: dezenas de anos trabalhando duro, conquistando pouco a pouco meu espaço, adquirindo bens, gozando de grande respeito por parte da sociedade paulistana; convidado para as principais festas e eventos, cercado de amigos e de mulheres. De repente, tudo isso escapou por entre meus dedos. A lei da gravidade já não era só física, era, também, metafórica: minha queda social fora rápida como a de um corpo que cai do último andar de um edifício. Porém, voltar a ser quem fui, me parecia muito lento, como alguém que sobe este mesmo edifício pelas escadarias.

Assim havia sido minha vida até então: iludido pelo sucesso, não percebia que um copo de vodka me acompanhava e, em determinado momento, já me dominava completamente; jogou-me em um espaço abissal, no qual caí em uma velocidade estonteante. No fundo do poço, vi-me sozinho: um eremita em uma cidade com 15 milhões de habitantes. Tornei-me um invisível ao perder o magnetismo que o dinheiro e o sucesso me proporcionavam. Lembrando Caetano cantarolei em tom de ironia: "a força da grana que ergue e destrói coisas belas".

Entrei e, já no prédio, mesmo com as mãos, tentei dar um jeito nos cabelos, na tentativa de uma melhor aparência. Passei pela portaria sem recepcionista, escura e mal iluminada, e fui direto para o elevador que, também, não tinha ascensorista. De repente, um pensamento ruim tomou-me de assalto: "Não será uma armadilha preparada pelos meus credores?" Fiquei temeroso, mas estava decidido a ir em frente: "Seja o que Deus quiser!" Cheguei ao 8º andar sem cruzar com uma viva alma. Um frio percorreu a minha espinha.

No corredor escuro procurei o número 83 e lá estava ele: na porta de madeira em verniz escuro e sem brilho; parecia que o algarismo era a senha guardiã de algum segredo. Hesitei por um instante e toquei a campainha; afinal, só poderia saber o que esperava por mim, se passasse por aquela porta. Atendeu-me um senhor, elegantemente vestido, com voz rouca e em sotaque estrangeiro falou-me:- Entre! Engoli em seco e entrei.


2 comentários:

  1. kkkkkkk muito Legal e interessante.
    (O frio percorreu a minha espinha!rssrsrrsrs)
    Parabeins muito bom os trechos .é claro que cada um que ler vai tem um trecho interresante. Esta frase foi muito engraçada para mim :) Tudo de Bom pra vc !! Sucesso no Blog que ta muito Show.

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  2. Muito bom! Linguagem simples e instigante. Deixou-me com gostinho de quero mais. Sucesso!

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