domingo, 9 de agosto de 2009

XXIII- ASHNA




Vimos, vindo em nossa direção, um índio forte que mais parecia um guerreiro porém, não trazia armas. Seus olhos eram puxados, seus cabelos negros e escorridos, o peito nu exibia seus músculos bem contornados. Uns tímidos adereços tentavam, em vão, encobrir suas partes íntimas. Ao se aproximar saudou-nos:

- Que o Criador da natureza esteja com todos. Sou Ashna e fui enviado por Ambhar, rei da cidade de Xamhur, para prestar-lhe informações sobre este mundo que para vocês é estranho.
Respeitando a hierarquia que Enoth tinha nos instituído, deixamos que o nosso rei-ancião
Constantino respondesse ao jovem indígena.

- Que o Criador esteja com você, Ashna. Estamos curiosos para saber sobre seu mundo, suas leis e seus costumes.

Cerrado antecipou-se e sem se incomodar com protocolos foi dizendo ao índio:

- Você disse que seu nome é Ashna, mas esse não é um nome Kalapalo? Entretanto, sua
aparência não é de um guerreiro Kalapalo.

- Fui sim, irmão. Porém, um dia, assim como vocês, encontrei a passagem e nunca mais voltei.
Hoje sou um ser de Xamhur e Ashna é meu nome. O guerreiro e caçador não existe mais.
Antigamente, eu usava e me apropriava da natureza... hoje, compartilho dela.

- Escute! - interrompi - o portal tem caminho de volta?

- Sim, irmão, mas tudo depende de você. Todos aqui são livres, a única coisa que nos prende ou
nos liberta são nossas escolhas - respondeu Ashna.

- Por que falamos em uma língua e você em outra e, mesmo assim, compreendemos o que estamos dizendo um ao outro? - indaguei.

- Porque estamos compartilhando nossas mentes. A fala e os sons guturais são apenas necessidades de expressões físicas - respondeu Ashna.

Fiquei espantado em ver a boa expressão e a sabedoria daquele selvagem. Não resisti e perguntei:

- Você se expressa muito bem! Recebeu educação escolar?

- Não. Aqui todos somos iguais. Quando conversamos estamos ouvindo a essência um do outro, e não palavras certas ou erradas. Ouvimos os sentimentos. A diferença que pode haver é a nobreza de cada um, umas menores, outras maiores. Mas, qualquer gesto de nobreza é sinônimo de riqueza, por mais ínfimo que seja. É isso que nos torna iguais. Sei que tem muitas perguntas a fazer, mas, antes, preciso informá-los sobre questões essenciais de convivência com nosso plano.

- Primeiro: nunca matar, nem mesmo pela própria sobrevivência, nem animais ou vegetais. Mesmo assim, quando acontece de matarmos, somos banidos para Barhen, onde em um monastério somos doutrinados e, talvez, um dia possamos voltar e desfrutar da energia de Anágna. Nem todos aceitam essa reclusão e aí se tornam fugitivos, bandoleiros, como é o caso dos renegados ou desgarrados que, quase sempre, depois da primeira vez que matam passam a sentir prazer por tirar a vida e saciar as necessidades da carne. Assim sendo, vivem a corrupção e a presunção que justificam sacrificar um ser em benefício de si próprio.

- E se pisarmos, por exemplo, sem querer, em um inseto? - interrogou Eleanora.

- É um acidente tão grave quanto um homem, ao trabalhar com outro, deixar rolar sobre ele uma pedra que estava sendo transportada. Porém, é um acidente que pode acontecer independente do nosso desejo. Se não houve negligência ou intenção não há culpa. Portanto, se não viu o inseto não teve como evitar. Se viu e, assim mesmo pisou, você menosprezou uma vida tão importante quanto a sua. No mundo do qual viemos, o homem acredita que tudo que existe na natureza é para seu uso e prazer. Para ele não existe a troca. A terra lhe dá alimento e o homem a envenena; a água lhe mata a sede e o homem joga excrementos nela; a mata lhe dá o ar e o homem lhe dá o fogo; o cavalo lhe dá a montaria e o homem lhe dá o chicote. Aqui isso não acontece. Podemos montar sim, um animal, desde que nosso peso não lhe cause desconforto ou que ele se ofereça para ser nossa montaria. Não podemos tomar ou ser donos de qualquer ser, apenas compartilhamos com ele. Outra coisa importante é que os répteis continuam com suas características normais: as cobras picam, os jacarés e os crocodilos são carnívoros. Então, antes de tomarem banho em rios e lagoas, fiquem atentos - alertou Ashna.

- Aqui envelhecemos e morremos naturalmente? - indagou Constantino.

- Sim, envelhecemos e morremos. Essa é uma lei divina e o homem não pode dispor dela. Entretanto, aqui a prioridade, em tudo, é dos mais velhos. Existe um respeito muito grande por eles, o mais velho de cada bando, manada ou povo, é o rei. Quando o rei morre o outro mais velho assume o seu lugar. Outra coisa importante é que existem áreas protegidas pela Anágna, onde os renegados, com excessão dos répteis, não têm poder.

- Acredito que, por hora, o mais importante eu já tenha dito. De acordo com a nossa convivência, irei passando outras informações e tirando algumas dúvidas por parte de vocês. Agora vou deixá-los e, na hora da partida, para o paredão dos dragões, nos encontraremos.

- O quê? Dragões?!? Aqueles com asas e que cospem fogo? Não dá para desviar desse caminho? - quis saber desesperado.

- São amigos. Voaremos com eles até Xamhur, pois não existe outra forma de chegarmos até lá. Vocês vão gostar de voar, podem acreditar! - disse Ashna.

De repente, as feições de Constantino assumiram um ar de tristeza. Com as mãos trêmulas de emoção, tirou do bolso interno do paletó um foto e perguntou a Ashna:

- Por favor, Ashna, este jovem, por acaso, não apareceu por aqui?

Ashna franziu a testa e, com ar preocupado, respondeu:

- Mesmo que eu tivesse visto, rei-ancião, não poderia dizer-lhe, como, também, não diria se alguém chegasse aqui procurando por vocês. O passado do irmão que aqui chega não nos pertence. Ser encontrado ou não, é escolha de cada um. Entretanto, estando aqui, se desejar encontrar-lhe ele o fará.

Ashna levantou-se, naquele instante, e dirigiu-se à mata até desaparecer por entre ela.

A atitude inesperada de Constantino deixou-nos perplexos e um amontoado de perguntas surgiu em meu cérebro: por que teria escondido este segredo de todos nós? De quem seria a foto? Seria esse o motivo do velho milionário se meter em uma tamanha e dispendiosa aventura?

- Não nos disse nada sobre procurar alguém doutor Constantino. Por que fez segredo de informação tão relevante? - questionei com ar aborrecido.

- Procuro pelo meu filho. Desde que lhe dei o tal violão, ele mudou completamente; passou a ser consumido pelas canções que compunha e interpretava... uma grande inquietação tomou conta de sua alma, desprendeu-se dos bens materiais e passou a sofrer em demasia com a miséria humana. Tornou-se voluntário em grandes projetos sociais e ecológicos, mas, tudo que ele fazia, parecia não ser suficiente. Comentou, em uma ocasião, que quanto mais combatia as atrocidades humanas, mais cercado por elas estava. Certo dia, chegou até mim e disse que precisava encontrar sua verdade e que ela, provavelmente, estaria na origem daquele instrumento. Decidiu, então, que sairia a procura dela. Tentei, em vão, demovê-lo da idéia, mas, um dia, ele partiu e já se passaram cinco anos desde que o vi pela última vez.

- Por que não nos contou? - perguntou Cerrado.

- Tive medo que, sendo vocês especialistas, criassem resistência à busca, que optassem pela possibilidade de ele não ter tido sucesso em sua expedição. Entendem? Eu não suportaria essa jornada se as pessoas, nas quais depositei toda a minha esperança, não acreditassem que meu filho estivesse vivo - disse Constantino com a tristeza estampada em suas faces marcadas pelo tempo.

- Entendo seus motivos - socorreu Eleanora.

- Você é um grande homem, Constantino... dos melhores com os quais já convivi - falou Cerrado demonstrando admiração.

Senti-me envergonhado pelas reclamações que fiz durante toda a viagem e, também, pelas vezes que busquei, na minha conta bancária, justificativa para enfrentar os perigos. Mas sacudindo a cabeça pensei: "Para com isso, Montezuma. Daqui a pouco, você vai querer doar seu dinheiro para instituições de caridade. Nossa! O que esse lugar está fazendo comigo?"

XXII - CONSELHOS DO ANCIÃO-REI




Eleanora, Constantino e Cerrado divertiam-se jogando cartas, enquanto eu tinha o pensamento invadido por um turbilhão de dúvidas. Subitamente o pânico tomou conta de mim: havia algo errado, aquilo tudo não podia estar acontecendo e a naturalidade com que meus companheiros recebiam aquela situação era, para mim, assustadora. Interrompi a diversão dos três dizendo:

- Está tudo errado! Isso tudo deve ser imaginação ou algum tipo de alucinação. Vejam bem, estamos no Centro Oeste brasileiro, não estamos na África, nem na Ásia, portanto aqui não existe tigres, leões ou elefantes. E, ainda, sem mencionar que esses animais se comunicam conosco e que estamos nos alimentando de energia, de luz...

- Pare com isso, Monte - cortou Eleanora.

- Isso é uma insanidade! Estou convencido de que se trata de uma alucinação - insisti.

- Tá bom, Montezuma, alucinação coletiva. Todos nós estamos tendo a mesma alucinação! O que você está afirmando, Monte, é tão absurdo quanto o que estamos vivendo - comparou Cerrado.

- Mas, não estou dizendo que todo mundo está tendo a mesma alucinação. Vocês é que estão fazendo parte dos meus delírios, como se fossem personagens. Entendem?

- Cuidado para não ficar maluco, meu jovem. Tente não pensar muito - advertiu Constantino, acrescentando carinhosamente:

- Vamos analisar da seguinte forma, meu filho: se for alucinação, a pior parte dela já passou; a perseguição nas matas, as mortes, a traição daqueles dois, tudo ficou para trás. Agora estamos num mundo maravilhoso e mágico. Estamos vivendo experiências que, talvez, nenhum ser humano jamais viverá. A porta do desconhecido se abriu para nós, dando passagem para uma aventura repleta de surpresas e tornando realidade nossos sonhos mais pueris com bichos falantes, reis, magia e a beleza das paisagens com sua explosão de cores. Não vamos renegar o que ainda existe de criança em nós. Lembra que, em São Paulo, você me perguntou se eu os estava convidando para brincar de Indiana Jones?

- Sim - respondi.

- Pois vou além! Vamos brincar de Peter Pan, de príncipes e princesas, de cavaleiros medievais e de exploradores de mundos desconhecidos. Enfim, permitamo-nos brincar de crianças e, assim, a alucinação se transformará em um belo sonho - disse Constantino emocionado.

- Você é o escritor, Monte, relate essa sua alucinação, se é isso que acredita. Pode ter certeza de que será uma bela história - pediu Eleanora.

- Faça o que ela está dizendo, Monte - reforçou Constantino.

- É... eu acho que vocês têm razão... - resolvi resignar-me com a situação.

Tenho mesmo essa tendência inconformista de questionar tudo e todos. Nunca fui um cara apegado ao que não é palpável; muitos me acham cético demais. Essa minha insistência em reclamar já estava se tornando um hábito desagradável e eu não queria isso. "Afinal de contas, do que eu tanto reclamava? Dias atrás eu não tinha nem onde cair morto e, agora, tinha uma garota linda e apaixonada por mim e, quando voltar pro mundo real, vou ter muita grana prá gastar" - pensei - "rapaz! vou torcer para que eles tenham razão... se tudo isso for verdade..."

segunda-feira, 27 de julho de 2009

XXI - BAHUR




Na manhã seguinte, Enoth retornou com sua manada escoltada por um bando de tigres. O grande elefante, juntamente com o líder felino, veio até onde estávamos e dirigiu-se a Constantino:

- Que o Criador da natureza te ilumine com a paz, rei-ancião.

"Eu também podia entendê-lo", pensei com alegria, porém, não interferi na conversa, pois ao que tudo indicava o assunto era entre reis. Talvez por ser o mais velho de nós, Enoth elegeu Constantino como rei do nosso grupo. Então, contentei-me apenas em ficar atento no que diziam.

- Que a paz do Criador também esteja contigo, Enoth. - respondeu Constantino.

- Apresento-lhe o rei dos tigres. Bahur veio para ajudar na escolta de vocês até próximo à cidade dos artesãos, cujo o nome é Xamhur.

- É um prazer rei Bahur. Estamos ansiosos para chegar a esta cidade.

- É preciso ter paciência. O bando de Koht, o leão renegado está caçando por estas bandas. Por princípios pacíficos não queremos confronto com ele. - disse Bahur.

- Isso quer dizer que, se atacados, não poderemos nos defender? - inquiriu Constantino.

- Temos que evitar matança. Mesmo em defesa própria. Quando acontece, somos julgados e podemos ser banidos para Barhem, onde se recupera o espírito. Além de que, matar pode despertar nossos instintos primitivos e nos transformar em vorazes predadores, enfim, em desgarrados.

- Entendo, rei Bahur. Esperaremos a hora que achar conveniente. Agrada-nos, em muito, tê-los como irmãos nessa viagem. - disse Constantino.

- Então, que o Criador da natureza fique com vocês. Quanto a nós, ficaremos de sentinela nas redondezas. - despediu-se Bahur.

- Que o Criador os acompanhe - retribuiu Constantino.

XX - ENOTH




- Senhores, - foi dizendo Constantino - Enoth saiu com sua manada pra fazer uma sondagem nas redondezas, ele teme que possa haver desgarrados na região.

- Peraí! Devagar! - cortei - Quem é Enoth? E o que são "desgarrados"?

- Ah! Desculpem... Enoth é o rei dos elefantes, aquele grandão que sempre anda na frente da manada, e desgarrados são todos aqueles, homens ou animais que, neste mundo, não se abstiveram de se alimentar ou viver da nossa forma tradicional. Eles se recusam a viver da energia de Anágma. Matam prá comer, cortam árvores e usam fogo. São chamados de desgarrados ou renegados e, segundo Enoth, são muito perigosos.

- Podem nos atacar? - perguntou Eleanora.

- Enoth disse que onde estamos é uma área segura, protegida pela energia de Anágma, mas, para chegar em Xamhur, a cidade dos artesãos, teremos que passar por florestas livres da proteção de Anágma, onde corremos o risco, sim, de sermos atacados por homens ou felinos em busca de caça. - finalizou Constantino.

- Tava bom demais prá ser verdade. - lamentei - Então, aqui também temos corrompidos e corruptores...

- O elefante falou com você? - interrogou Eleanora.

- Não! Elefantes não falam! Apenas comunicou-se, ele solta seus sons normais, olhando em nossos olhos, e nós o compreendemos. Quando falamos olhando em seus olhos, também compreendem.

- Caramba! - Cerrado coçou a cabeça - Ele disse quando voltaria?

- Amanhã. Aproveitemos bem o dia.

XIX - MAGNÍFICOS GIGANTES




Da mata fechada que cercava nosso pequeno paraíso, surgiu uma manada de imponentes elefantes. À frente dela, vinha um grande mamífero, o maior de todos, que parecia liderar o grupo. Aproximando-se de nós, abaixaram-se à nossa frente, e não sei como, sentimos que nos diziam para montá-los.

- Será que querem que façamos o que estou pensando? - procurei a confirmação de Cerrado.

- Acredito que sim. Vamos, acho que vão nos levar para algum lugar - confirmou Cerrado.

Montamos aqueles dóceis e magníficos animais e saímos, como uma caravana de indianos. Aceitando o convite, iniciamos a caminhada por um mundo cheio de surpresas. Iríamos conhecer coisas jamais vistas pelo homem: o inimaginável. Não sabíamos para onde estávamos indo, porém, tínhamos a certeza de que alguém, ou algo, nos esperava.

A montaria de Eleanora se aproximou da minha e ela disse-me em um doce tom de voz:

- Estou feliz por estarmos juntos de novo, Montezuma.

- Eu também, Eleanora. Aquele beijo ainda queima em meus lábios. Eu também te amo.

De tempos em tempos, durante a caminhada, nos alimentávamos das energias das mais diversas e saborosas frutas. Era uma maneira diferente de se alimentar, porém, não menos saborosa.

Bastava-nos observar e desejar e nossas necessidades eram supridas.

À noite, acampamos em uma clareira onde tiramos boas horas de sono até o raiar do dia.

A manhã surgiu com esplendor, com aves voando, cantando e fazendo ciranda no céu. Quase ao pé da mata, corria um límpido córrego onde tomamos banho e brincamos feito crianças. Eu e Eleanora estávamos enamorados, divertiamos com os peixes coloridos que passavam sob nossas pernas. Ali, trocamos muitos beijos apaixonados e fizemos amor como se fosse a primeira vez de cada um de nós.

Voltamos pra junto dos nossos companheiros que caminhavam no centro de nosso acampamento. Constantino observava os animais, se encantava com os pássaros e com as flores. Era incrível como conservava a elegância, mesmo estando, ainda, usando a roupa suja e esfolada por obstáculos no trajeto de nossa viagem. Fiquei olhando para aquela simpática figura por alguns instantes. Foi nesse momento que algo muito estranho aconteceu: o elefante que parecia ser o líder da manada se aproximou de Constantino colocando-se à sua frente. Constantino passou a gesticular e pronunciar alguma coisa. Chamei a atenção de Cerrado:

- Cerrado, acho que está acontecendo alguma coisa...

- Tem razão, é mesmo estranho... - concordou.

O velho parecia olhar nos olhos do elefante e continuava a gesticular como se estivesse ao meio de uma animada conversa. O mais incrível é que parecia que o elefante, de quando em quando, assentia com a cabeça. Por fim, o elefante virou-se e saiu levando consigo, a sua manada.

- É amigo, não duvido mais de nada... está parecendo que o elefante estava dizendo para o Constantino que ia embora... o velho está vindo prá cá, vamos esperar e ouvir o que ele tem a nos dizer. - disse Cerrado.

- Mas, não vamos perguntar nada pra ele, tá? - disse eu.

domingo, 19 de julho de 2009

XVIII – O PARAÍSO



Acordei sobre uma relva fina e verde que se estendia ao longe feito um tapete. Olhei em minha volta e vi um grande lago e, mais para o horizonte, montanhas e colinas. Flores e borboletas davam ar de inocência à paisagem, enquanto aves belíssimas enfeitavam o céu e as margens do lago. À minha esquerda iniciava-se uma floresta de mata fechada, era uma paisagem muito diferente das que eu estava acostumado a ver nos últimos dias. Tudo era muito limpo, as cores se combinavam e as gramíneas tinham tamanho uniforme. Parecia que tudo aquilo era cuidado por um exímio jardineiro. O lago era límpido e azul; o sol, apesar do brilho intenso, não alterava a temperatura que era bastante agradável. Gamos e gazelas saíram da floresta e se dirigiram para o lago para saciar a sede. Ao olhar para mais longe, senti uma alegria muito grande, lá estavam eles: Cerrado, Eleanora e Constantino sentados em uma pedra observavam, em silêncio, a paisagem daquele lugar.

Caminhei lentamente em direção a eles. A pressa e a impaciência não combinavam com o que nos rodeava, tudo era paz!

- Que lugar lindo! - disse ao me aproximar dos meus companheiros.

- O paraíso deve ser desse jeito - reforçou Constantino - um lugar sem mácula e sem pecado.
Cerrado puxou o chapéu sobre os olhos e estirou-se na pedra parecendo querer tirar um cochilo; olhei para o relógio e ele estava parado, a câmera digital também não funcionava, insisti com o notebook sem nada conseguir. Nesse instante, olhei para o lado e um terror tomou conta de mim: um casal de tigre caminhava lentamente em nossa direção, acompanhado por dois filhotes.

- Cerrado, Cerrado... tigres estão vindo para cá - falei baixinho para que os animais não me escutassem.

- Não enche Monte... preciso cochilar um pouco... na América do Sul não existem tigres - disse Cerrado meio sonolento.

- Então... não estamos na América do Sul, também uma família de leões está vindo para cá.... - gemeu Constantino.

- Cerrado, levanta... a coisa está feia! - pediu Eleanora.

- Vocês não podem me ver sossegado... Ah! Meu Deus! Leões, tigres! Não se mexam! - disse Cerrado ao perceber que seus amigos tinham razão, os animais estavam ali bem perto deles.

Os enormes felinos passaram por nós sem nos molestar. Dirigiram-se às margens do lago, com a cabeça direcionada ao seu centro. Muitos outros animais foram chegando e se colocando na mesma posição que estavam os felinos. Aquilo era intrigante, parecia uma grande convenção de animais. Ali, estavam eles, centenas de presas e predadores: ursos, onças, pássaros de grande porte, capivaras e tantos outros, sem o menor traço de agressividade. A paz era total.

Nesse instante, uma luz multicolorida desceu do céu em direção ao centro do lago. Ao aproximar-se da água, foi adquirindo uma tonalidade de predominância azulada. Seu clarão foi crescendo e se expandindo para os lados até fundirem-se com aquela horda de animais. Deu para notar que a luz os penetrou como se levasse a energia da água para saciar sua sede.

- Acho que acabamos de descobrir como se mata a sede neste lugar, viram? É muito parecido com o que foi relatado na carta - falei acrescentando: sendo assim, acredito que não há porque temer esses bichos.

- Calma aí, Monte. Devagar! Não confie em tudo que lê. Eu vou ficar aqui, bem quietinho, até que essa bicharada vá embora... - retrucou Cerrado.

Antes que Cerrado terminasse suas considerações, o casal de tigres com seus filhotes, parou bem à nossa frente e ficou a observar-nos. Aquela luz desceu, novamente do céu, parando sobre nossas cabeças, e foi adquirindo tamanho até explodir e lançar-se em partes até a direção da família de tigres, que satisfeita seguiu seu rumo mata a dentro.

- Acho que acabamos de ser devorados, de uma forma virtual ou espiritual, é claro! - brinquei.

- Isso é inacreditável! - exclamou Constantino - Nem mesmo em nome da subsistência precisam matar! Inacreditável e maravilhoso! Pelo que pudemos presenciar, basta que olhemos para o que desejamos e o alimento nos vem em forma de luz, de energia!

- É, pode ser. Porém, eu ainda prefiro um belo pernil bem assado, e sentir a barriga cheia de satisfação. - retruquei.

Eleanora se mostrando preocupada interrompeu-me:

- Temos que tomar cuidado, não conhecemos as leis deste lugar. Então, é importante que não matemos nenhum ser deste paraíso.

- Com certeza, princesa - assentiu Cerrado - já está em tempo de nos contatar com os habitantes desse lugar.

XVII – A TRAVESSIA



A hora havia chegado, finalmente passaríamos por aquele portal. Um misto de medo e vitória tomou conta de mim; o nosso semblante demonstrava grande preocupação. Cerrado, dando um passo em direção ao portal, avisou:

- Eu vou primeiro! - e sem dar tempo de alguém protestar, atravessou o portal gritando: até breve meus amigos!

Vimos o nosso companheiro desaparecer e o nosso sentimento era um só: medo. Logo em seguida, Constantino também desapareceu naquela imensidão de luzes. Eleanora engoliu em seco, prendeu os cabelos e se aproximando de mim disse:

- Eu te amo, Montezuma. Fique com essa minha lembrança, caso não nos vejamos mais.
Deu-me um beijo apaixonado. Senti meu corpo tremer e pedi que o tempo parasse naquele instante. A atitude apaixonada de Eleanora pegou-me de surpresa, eu não podia imaginar que ela estaria me amando; no mesmo instante, ela se virou para o portal e parecendo entrar por uma cachoeira de luzes, também desapareceu. Senti o coração bater mais forte e percebi que o amor de Eleanora havia me transmitido um força incrível para seguir o caminho do desconhecido.

Esperei por alguns segundos e, como num filme, imaginei as mudanças que minha vida sofreria após atravessar aquele portal. Avancei e de repente tive uma sensação de vazio, meus pés não tinham chão; comecei a girar numa velocidade inacreditável como se estivesse num redemoinho, minha pele parecia se desprender da carne e uma dor insuportável tomou conta de todo meu corpo até que houve uma explosão e a dor cessou.

XVI - O DESPERTAR



Acordei e vi que Cerrado já havia cuidado dos ferimentos de todos e, naquele instante, ele e Eleanora cuidavam de Constantino que, embora em estado febril, não tinha mais a aparência de um defunto. Tive a impressão de ouvir barulho de água descendo pelas pedras da galeria, agucei os sentidos e pude sentir o cheiro de terra molhada, então eu, com medo de despertar de um sonho perguntei:

- Cerrado que barulho é esse? Estou sonhando ou é alucinação?

- Veja! Passa um riacho pela galeria e forma uma lagoa. Encontrei locas cheias de bagres albinos com carnes saborosas. Coma, você precisa se alimentar e se esforçar para caminhar um pouco - falou Cerrado em tom paternal, estendendo-me um peixe espetado em sua faca.

Com as mãos tremendo, peguei o peixe e comi sem me incomodar com os espinhos que teimavam em espetar as minhas gengivas. Após saciar minha fome, bebi da água do riacho; era tão limpa que dava para enxergar cada pedrinha que compunha o seu leito. Aquele era um momento de uma magia inexplicável. Uma sensação de felicidade tomou conta de mim. Olhei para meus companheiros e pude ver que cada um sentia a mesma coisa.

Dois dias depois estávamos recuperados, inclusive Constantino embora sua reabilitação fosse mais lenta. Reiniciamos a caminhada. Do outro lado da galeria, entramos na outra etapa do buraco, mas dessa vez ele era maior e não exigia tanto esforço do nosso físico. Durou algumas horas essa caminhada até que deparamos com um portal de pedras que emitia luzes de todas cores e sua vibração era tão intensa que gerava sons incríveis.

Assustados e ao mesmo tempo perplexos e maravilhados, olhávamos para as luzes que, de tão forte, fazia doer nossos olhos.

- Meu Deus! É tudo verdade! - esclamei com medo que tudo aquilo desaparecesse de um instante para outro. Não pude registrar, por fotografias, a beleza do portal, a intensidade das luzes não permitia.

O Constantino seguiu um sonho e agora o encontrava, dando-nos a oportunidade de vivenciar tão mágico momento. Se não fosse excêntrico e teimoso, teríamos perdido tão belo registro em nossas mentes. Sei que é difícil acreditar que alguém tenha passado por aquele portal e tenha chegado a um lugar onde ninguém pode alcançá-lo e do qual retornam mensagens que julgamos, por descrença, desconexas e sem sentido.

- Valeu a pena acreditar - disse Constantino com a voz ainda fraca.

- Vamos atravessar, não percamos tempo! - pediu Eleanora.

- Espera aí, pessoal! Vocês lembram o que dizia a carta? Isso vai doer! Dá um tempo para que a gente se prepare espiritualmente. Isso foi comparado, na carta, com redemoinho que esmaga a gente. - falei preocupado.

- O Montezuma tem razão - ouvi aliviado o sertanista socorrer-me - o Dr. Constantino tem que se reabilitar e, até mesmo nós, estamos ainda fracos. Ficaremos aqui, amanhã a gente atravessa.

Fiquem com óculos escuros, não sabemos o que essa luz pode causar aos nossos olhos. Vamos nos alimentar e descansar, também quero que evitem falar muito, porque o ar rarefeito daqui pode nos causar sensações ainda mais desagradáveis. Vou tentar dormir um pouco.

Tudo o que eu havia visto, nas últimas horas, invadia o meu pensamento sem cessar. Retomei as escritas que haviam sido esquecidas por alguns dias e com os dedos ágeis registrei os acontecimentos. O que encontraríamos por trás daquele portal? Os artesãos? Seríamos bem recebidos ou estariam à nossa espera inimigos e monstros? Ainda poderíamos encontrar a morte numa fonte abissal de luz e energia. Com todos esses pensamentos, adormeci. O dia seguinte traria mais novidades.

XV - O TUNEL




Finalmente, chegamos à boca do túnel. Decidimos descansar e fazer refeição antes de iniciar a entrada. Cerrado deslizava os dedos por entre os cabelos lisos, demonstrando preocupação com Constantino; não falava com ninguém e de sua testa gotejava suor. Todos sabíamos que o melhor seria não entrarmos naquele buraco estreito. Estávamos caminhando rumo ao desconhecido e isso nos deixava com muito medo. Entretanto, o espírito aventureiro nos empurrava cada vez mais para dentro do túnel.

- Ainda podemos desistir - lembrou Cerrado olhando para cada um de nós e não obtendo resposta perguntou:

- Todos concordam em entrar?

- Eu sinto necessidade de ir até o fim. Garanto a todos que se encontrarmos esse portal, morrerei feliz - disse Constantino com um sorriso que parecia concordar com tudo que pudesse acontecer dali prá a frente, ou seja: estávamos nas mãos do destino.

- Quero continuar! Chegamos até aqui, não? Sem dizer que, entre entrar neste buraco e enfrentar aqueles bandidos, não temos muita escolha - disse eu.

- Também vou - disse Eleonora, sem comentário.

Horas mais tarde estávamos com capacetes equipados com lanternas, com roupas resistentes aos atritos nas paredes do túnel e máscara para filtragem do ar. Amarramos uma corda de cintura em cintura, e seguimos rumo ao mistério. Cerrado ia à frente, logo depois Constantino,
Eleanora e, por último, eu.

Não há muito o que narrar nesses dois dias de tatu vividos por nós. Tivemos várias crises durante o percurso. Não tínhamos como ficar em pé; às vezes, parecia que não voltaríamos a ver o sol ou sentir o ar fresco da natureza; todos queriam um bom banho e uma alimentação decente. Estávamos ali rastejando sem saber se encontraríamos uma passagem que nos tirasse daquele buraco.

Constantino, após umas quatro horas, teve uma crise respiratória; logo depois, Eleanora entrou em pânico e foi difícil para todos convencê-la de que logo estaríamos fora daquele lugar, pois todos nós tínhamos o mesmo sentimento: terror!

As paradas constantes para descanso, a paciência de Cerrado com Constantino e Eleanora me deixavam muito irritado. Mas, o que fazer? Tinha que ser assim, não podíamos ter pressa.
Às vezes apareciam cobras, escorpiões, aranhas, mas, éramos instruídos a não incomodá-las. Assim, lentamente, caminhamos escutando nossas próprias vozes repetindo queixas angustiantes das horas passadas ali.

Depois de 50 horas que mais pareciam milhares delas, chegamos à galeria; nossas pernas estavam adormecidas, não conseguíamos ficar em pé; as cãibras e a dor muscular eram tão intensas que senti náusea. Até mesmo o Cerrado, que estava habituado às aventuras, passou mal. Estávamos tão esgotados que até respirar exigia muito das nossas forças. Lembro-me que arrastamos Constantino por algum tempo; ele parecia estar morto. Bem no final do túnel, não resistimos ao sono e dormimos... dormimos muito.

terça-feira, 30 de junho de 2009

XIV - A CRENÇA



- No meio da Serra do Roncador há um lago chamado de "o portal". É um lago misterioso por ter água extremamente cristalina e não haver nenhum ser vivo dentro dela. De acordo com a crença esotérica, mergulhando nesse lago teremos acesso a Atlântida. Outro acesso seria uma rocha de cristal límpida e transparente com, aproximadamente, dez metros de diâmetro. Os ancestrais dos índios Xavantes utilizavam essa rocha como espelho. Os místicos acreditam que lá existe um portal que, quando há alinhamento de astros, ele se abre permitindo a passagem para outra dimensão. A região da Serra do Roncador é muito valorizada pelos seguidores de seitas místicas. Foi nesse local que Percy Fawcett desapareceu misteriosamente... - Dizia Eleanora.

- Droga! - gritei assustado - Uma onça! Estamos fritos!

- Calma - disse sorrindo o sertanista - passemos em silêncio, porém atentos. Acredito que ela não nos fará mal algum. Evitem olhar diretamente para ela. Descansaremos um pouco mais à frente.

Confesso que um tremor tomou conta de minhas pernas. Eu, no meu medo, parecia sentir o hálito fétido do animal no meu cangote e eu não pretendia virar refeição dessas feras. Bem que esse portal poderia mesmo existir e se abrir à nossa frente salvando-nos de qualquer perigo. Passado o perigo e o susto de todos, nos alimentamos, descansamos e voltamos a caminhar.

Entre caminhadas, descansos, encontros com onças, cobras, capivaras, muitas aves de cores variadas; flores que, até então, me eram estranhas, faziam parte daquele lugar. Tudo muito bonito, mas que se tornava tremendamente horrível quando ameaçava nossas vidas. Os insetos... malditos insetos... eu estava todo picado: no rosto, nas mãos. Parecia que eles queriam, desesperadamente, entrar pelas minhas orelhas, nariz e boca. Por mais repelente que usasse, ainda assim, eles insistiam em me atormentar.

- Esse repelente não está valendo muito!

- Se não fosse ele, meu caro Monte, você estaria ardendo em febre e com o rosto e as mãos em carne viva. Não se preocupe não, você se acostuma - ironizou Cerrado.

- Acostumar? Nunca! Não vejo a hora desse pesadelo terminar. Insetos, onças, espinhos, cobras, bandidos.. é demais para mim. Ai que saudade do trânsito, dos engarrafamentos, das buzinas... esse barulho todo das grandes cidade, perto dos zunidos dos pernilongos, seria como uma linda sinfonia para mim.

- Calma, Montezuma, já estamos chegando. Mais algumas horas e estaremos entrando no túnel - brincou Eleanora.

- Dois dias dentro de um túnel com 80 centímetros de diâmetro ..., espero que ele não se transforme em nosso túmulo - reclamei.

- Calma, Monte, calma. Em breve estaremos de volta à civilização e você poderá se deliciar com a poluição e as loucuras das grandes metrópoles. Até parece que o velho aqui é você - zombou Constantino.

Fiquei irritado e tenso com aquela observação, mas, logo após, achei bom que estivessem com disposição para brincadeiras. A travessia do túnel, ao meu ver, seria a pior fase da aventura e iríamos precisar de bom ânimo.

XIII - A FUGA



Caminhamos, em mata fechada, por mais ou menos duas horas. O silêncio reinava entre nós; estávamos tensos e cansados; os últimos acontecimentos nos deixaram abalados, o som de nossos próprios passos nos incomodava. Estávamos absorvidos em nossos pensamentos, quando nos pareceu ter ouvido vozes. Instintivamente, encolhemo-nos e fizemos o mais absoluto silêncio.

Os bandidos, talvez por acreditarem que ainda estávamos no acampamento, não tinham a mesma preocupação. Ao passarem por nós, pudemos ver o poder de suas armas: metralhadoras, fuzis e pistolas automáticas. Eram um grupo de cinco homens, muito bem armado. Não poderíamos encará-los, Cerrado, mais uma vez estava com a razão. Um deles, talvez o líder, disse aos seus comparsas:

- A partir de agora, calem-se. Devemos estar a umas duas horas do acampamento deles e não sabemos se o italiano e a Norma conseguiram dominá-los. Conheço o tal Antônio Cerrado, ele é o cão. Conhece isto aqui como a palma da mão.

Neste momento, olhei para o sertanista como se buscasse uma orientação; ele tinha a testa franzida e olhava para o homem que orientava os bandidos como se o conhecesse de algum lugar. Esperamos que se distanciassem e seguimos em direção oposta. Quase sussurrando, Cerrado nos disse:

- Conseguimos! Agora teremos muitas horas de vantagem sobre eles. Já estão exaustos, carregando aquele peso todo por mais de quatorze horas e, quando descobrirem o que fizemos, o desânimo cuidará do resto. Com certeza absoluta, não terão como reiniciar a caminhada imediatamente. Agora quero que vocês apertem bem as botas, bolhas nos pés podem fazer com que percam os pés.

O carinho com que Eleanora tratava Constantino parecia devolver-lhe o ânimo e seus passos, agora, eram mais firmes, seu semblante estava mais iluminado e o vermelho voltava aos poucos ao seu rosto. Imaginei que, apesar de milionário, deveria ser um homem solitário, com relações pautadas apenas por bases materiais: presentes prá lá, presentes prá cá, e poucos abraços apertados e beijos carinhosos. Estar ao lado de uma mulher que lhe tratava como uma filha carinhosa e cheia de cuidados, fazia bem a ele. Com isso, o minha admiração por Eleanora, aumentou. Mas, aquele homem ainda nos surpreenderia; para mim o principal segredo ainda estava para ser revelado e isso me incomodava. Voltei-me para o Cerrado e indaguei:

- Você conhece o líder deles, não é?

- Sim. João Vicente é um mau caráter, explora índios, contrabandeia pedras preciosas e já esteve envolvido com trafico e exploração de mulheres. É um rato procurado pela polícia, é um assassino muito perigoso e totalmente sem escrúpulos.
Eleanora continuava mais atrás, dando toda a atenção a Constantino e às vezes trocavam algumas palavras. Após umas quatro horas de caminhada, Cerrado interrompeu orientando-nos:

- Vamos parar por meia hora, comam alguma coisa, mas nada que utilize fogo. Não deixem lixos na mata porque, além de prejudicar o meio ambiente, podem denunciar nossa trilha para os bandidos. Mais umas trinta horas de caminhada e deveremos alcançar o túnel. Caso não encontrem pistas de nossa passagem por aqui, é possível que deduzam que fomos para o grande cristal que fica na serra, ou para uma lagoa que ali existe.

- É verdade - reforçou Eleanora - eles devem imaginar que procuramos os lugares que são considerados místicos.

- Sim, um cristal que os índios utilizavam como espelho... - ia contando quando se intrometeu Constantino dizendo:

- E uma lagoa de água cristalina que dizem ser um portal.

- Exatamente, isso fará com que ganhemos mais tempo ainda. O túnel é desconhecido e, também, protegido por uma vastidão de arbustos. Acredito que nem João Vicente deve conhecê-lo - disse Cerrado.

sábado, 20 de junho de 2009

XII – A TRAIÇÃO



Sempre tive problemas com o sono; dormir, para mim, não é algo tão simples como é para a maioria das pessoas. O segundo turno da vigia seria meu. Eu tinha que descansar um pouco, enquanto Eleanora estava em alerta. Com muito custo peguei no sono, conseguindo dormir por cerca de quarenta minutos. Não conseguia continuar deitado, ainda mais sem o conforto de um bom colchão. Não tinha como negar, sou um bicho urbano; os malditos mosquitos e os grilos, com seus cantos noturnos, pareciam querer me enlouquecer. Naquele instante senti uma vontade louca de ouvir as buzinas, as vozes dos boêmios, do cheiro da tinta dos grafiteiros, das músicas pelos bares e restaurantes. Levantei-me e resolvi prosear um pouco com a Eleanora. Caminhei por uns vinte metros até chegar onde ela estava de vigia.

Fiquei surpreso ao ver que ela dormia feito uma criança! Então, percebi que foi bom não ter continuado na "cama" e pensei: "já que não consigo dormir, vou antecipar a minha guarda e liberá-la para que possa dormir de maneira mais confortável". Ao me aproximar dela, levei um grande susto: pude ver que em sua testa escorria um filete de sangue. Meu Deus, na verdade, ela estava desmaiada! - gritei por auxílio:

- Cerrado, Cerrado, Eleanora está ferida!

O sertanista levantou-se, meio atordoado e praguejando gritou:

- As armas..., as armas..., rápido!

- Sumiram todas - gritou Norma.

- Maldição - gritou Cerrado - levantem-se todos, depressa! - e virando para mim perguntou preocupado:

- Como ela está?

- Não sei - respondi - não parece mal, tem um pequeno ferimento na testa.

Constantino aproximou-se e comentou demonstrando tristeza:

- Eles conseguiram nos alcançar. Você calculou mal a hora da chegada deles, Cerrado.

- Na verdade, meu cálculo estava certo, doutor Constantino, não foram eles que feriram a Eleanora e roubaram nossas armas.

- Che cosa sta dicendo? - interrogou Felipo com olhos arregalados.

- Se fossem eles, não roubariam apenas as armas, teriam, também, nos rendido e nos aprisionado. Além do mais, ainda devem estar a umas seis horas daqui, se é que realmente nos procuram - argumentou Cerrado.

- Está sugerindo que um de nós fez esta barbaridade, Cerrado? É um pensamento atrevido de sua parte - berrou Azevedo.

Rapidamente me coloquei entre frente aos dois para evitar que eles se agredissem e pedi:

- Calma aí pessoal, calma. Acredito que o Cerrado tem razão... a mesma pessoa que pegou a arma deve ter matado Bob Carlson.

- Absurdo! - disse Sérgio Azevedo, teimando em não acreditar que entre nós havia um assassino.

Constantino empalideceu e procurou apoio para não cair, sentando-se em um tronco e pegando um lenço, secava o rosto molhado de suor. Não opinou, apenas ficou em silêncio profundo, remoendo seus pensamentos.

Eleanora estava voltando a si. Nesse instante lembrei-me de quando Cerrado me contou que ela sempre levava uma arma junto ao corpo. Me aproximei dela e cochichei ao seu ouvido:

- Ainda tem a sua arma consigo?

- Sim - respondeu ela.

- Então, não conte prá ninguém. Fique com ela, poderá precisar a qualquer momento. Levaram todas as nossas armas.

Pisquei para o Cerrado e lhe dei um sinal positivo, ele entendeu o que quis dizer. Agradeci aos céus, pois tínhamos, pelo menos, um revólver.

- Eleanora, vou atrair a atenção do Sérgio e do Felipo de forma que fiquem de costas para você. O bandido só pode ser um deles e vou tentar descobrir isso agora - planejei com ela.

Aproximei-me deles e arrisquei apontando o dedo para o Sérgio:

- Muito bem, Azevedo... pode acabar com a farsa e comece se explicando por que matou o Carlson e o que tem a ver com aquele helicóptero? São seus comparsas, não são?

- Você está louco? Vou quebrar sua cara seu....

A fúria de Azevedo foi interrompida por Norma que gritava:

- Vamos acabar logo com esse verme assassino, se não o matarmos ele fará conosco o que fez com Bob.

Naquele instante, Cerrado pode perceber, no rosto de Norma, um sorriso de satisfação, então voltou-se para ela e disse:

- Matar é simples para você, não é Norma?

A bióloga, com olhos arregalados, pegou uma pistola e apontando para todos ordenou:

- Fiquem onde estão! Sentem-se! Vamos aguardar pois, daqui há algumas horas, meus amigos devem estar chegando.

Olhando firmemente em seus olhos perguntei:

- Por que?

E ela respondeu o que não podíamos compreender até aquele momento:

- Só queremos seqüestrar o velho. Quanto a vocês, não sei qual é o plano de meus amigos, por mim já teria acabado com todos - afirmou demonstrando grande frieza.

- Você matou o Bob Carlson? - eu quis saber.

- É... ele ouviu uma conversa do Felipo com um dos nossos cúmplices e não podia ficar vivo - disse a bióloga.

- Foi Norma quem me indicou ao velho. Antes de vocês serem contactados, já tínhamos todo plano em mente e... até que foi bem mais simples do que imaginávamos - disse o italiano, sem sotaque, com ar zombeteiro.

- Malditos! - berrou Constantino.

- Cale-se velho! ordenou Felipo.

Azevedo indignado pulou sobre Felipo e rolando pelo chão, tentava, desesperadamente, desarmar o músico. Eleanora, aproveitando a distração da bióloga, pegou sua arma. No entanto, Norma virou-se e atirou rumo a Eleanora que, num gesto de proteção, deixou escapulir a sua arma. Azevedo, atirou-se ao chão e pegango a arma de Eleanora deu um tiro que atingiu o coração de Norma. Aproveitando aquele momento de grande confusão, Felipo, alucinado, atirou diversas vezes em Sérgio, que teve morte instantânea. Constantino observava, com os olhos arregalados, parecendo estar em estado de choque. Felipo, numa tntativa de fuga, desabou em um precipício estatelando por entre as rochas.

- Quanta morte! Não podia imaginar que tudo isso iria acontecer - lamentou Constantino.

- Ninguém poderia saber que Norma e Felipo eram dois assassinos - disse tentando amenizar a dor que Constantino deixava transparecer.

- O pior é que os mortos não podem dizer onde estão as nossas armas e temos que seguir viagem - disse Cerrado.

- Pobre Sérgio! Eu o acusei sem piedade e nem pude pedir desculpas a ele - falei aborrecido.

- Você está ferida, minha filha? - perguntou Constantino carinhosamente a Eleanora.

- Não conseguiram me acertar, eles não tinham experiência com armas. Na verdade acredito que eles estavam se iniciando na vida criminosa - disse Eleanora sendo interrompida por Cerrado.

- No entanto, mataram Bob Carlson, friamente e, sem hesitar, fizeram o mesmo com o Sérgio Azevedo. Malditos! Mereceram o final que tiveram. Seus cúmplices devem ter ouvido os disparos... vamos pegar as armas do Felipo e da Norma, juntar o essencial e cair fora daqui. Penso que sei a qual buraco se refere a carta, vamos prá lá, pois é a nossa única alternativa de fuga.

Constantino, demonstrando cansaço, disse a todos:

- Se quiserem, cancelo a expedição.

- De forma alguma, agora é que não podemos desistir. Passamos por momentos difícies e até perdemos nossos colegas de jornada, desistir, agora, seria loucura - opinou Cerrado.

- E, além disso, temos um portal para atravessar - tentei brincar.

Usamos a lona das barracas para enrolar os corpos, pois não havia tempo para sepultá-los; queimá-los poderia trazer graves conseqüências para a floresta. As armas de Norma e Felipo, com a de Eleanora, era tudo que tínhamos. Três revólveres contra, talvez, as armas sofisticadas dos seqüestradores. Assim sendo, melhor seria que não houvesse um confronto. Teríamos que passar pelos bandidos, sem que nos percebessem. Entre as coisas essenciais que pudemos pegar estava um GPS que nos ajudaria na localização.

- Vamos - decidiu Cerrado - não podemos perder tempo.

Constantino nos preocupava... estava quieto, decepcionado, talvez arrependido, como se a culpa das quatro mortes lhe pesassem sobre os ombros.

- Se quiserem desistir, eu entendo - disse ele sendo interrompido por Cerrado:

- Não temos mais essa opção. Se quisermos ter alguma chance contra aqueles canalhas, temos que continuar. Acredito que o túnel citado na carta é o mesmo em que estive e, se conseguirmos chegar na tal galeria, podemos esperar pelos bandidos nela. Na saída do túnel eles serão presa fácil, já que só passa um por vez.

- Acho que tem razão. Mas tem certeza que é esse o tal buraco? - perguntei.

- Não deve ter outro com tais características, Passei meus primeiro 20 anos de vida nesta região e acredito que deve ser o tal túnel - disse o sertanista.

Eleanora assentiu com a cabeça e passou as mãos, carinhosamente, nos ombros de Constantino dizendo:

Vamos! Temos que sair logo daqui.

Cerrado jogou-me um facão, alertando:

- Só use se for extremamente necessário. As picadas podem denunciar nossa trilha.


XI – A DECISÃO



Passando as mãos pelos cabelos, sorri ironicamente:

- Que absurdo! Não acredito que estamos aqui por esse motivo! Está claro que tudo isso foi escrito por excesso de sentimento ou um desvio mórbido da razão, com uma lógica, que afasta a pessoa cada vez mais da realidade!

- Vejo de outra forma - interrompeu Eleanora - as letras são firmes e bem escritas, afastemos, pois, a hipótese de delírio. E tem mais, o Jeremiah não era merecedor da confiança depositada nele: leu a carta, sabia o valor do instrumento e, sem pensar em mais nada, correu para a América do Norte para vendê-lo e fazer uso do dinheiro em seu próprio benefício. Além disso, nem se deu ao trabalho de destruir a carta, simplesmente a enfiou dentro do violão.

- Pode ser que não - defendeu Norma - ele pode ter sido atacado por ladrões e ter escondido a carta dentro do instrumento para, mais tarde, recuperá-la e entregá-la ao reverendo.
Foi aí que o Cerrado, verdadeiramente, me surpreendeu ao revelar sua opinião.

- Também acredito em sua teoria, Norma - disse Cerrado acrescentando - e vou mais além: não temos o direito de seguir viagem, vamos destruir a carta e deixar o paraíso em paz. Façamos o que foi pedido ao reverendo. Não creio que a natureza aprove a continuidade dessa expedição.
De súbito, parecendo desesperado, Constantino interrompeu gritando feito louco:

- Eu já paguei a metade para vocês! Vamos seguir viagem!

- Por mim devolvo tostão por tostão, doutor Constantino. E quanto a você Montezuma? - perguntou o sertanista olhando para mim em busca de cumplicidade.

- Devolver a grana? Não tem jeito amigo, sinto muito. Se for esta a condição, eu continuo. Temos que lembrar que, se isso for verdadeiro, verei minhas publicações ladeadas pelas de Júlio Verne e de Artur Conan Doile. Sinto mesmo, mas eu preciso da fama e do dinheiro - respondi explicando.
Olhei para todos para sentir o que cada um pensava daquilo, mas sem conseguir desvendar seus semblantes, então arrisquei uma pergunta para Eleanora:

- E você, Eleanora, o que pensa fazer?

- Sou uma historiadora e..., se a narrativa da carta for real, a humanidade não pode ser privada dessa descoberta - respondeu passando a vez para a Norma.

Estou com você, é uma grande descoberta! - respondeu Norma.

O biólogo levantou-se, sorriu e emendou:

- Alimentar-se de luz, ter o poder de transformação, vidas sem cadeias alimentar... é um novo conceito de biologia, não posso ficar fora. Eu vou! E você Martinelli?

- Embora eu esteja com muito medo de atravessar esse túnel, eu continuo - respondeu o músico.
Constantino, com ar vitorioso, virou-se para Cerrado e questionou:

- Está sozinho, Cerrado, e agora? Quero lembrar que precisamos de você!

- Vocês não terão chance sem mim, sou obrigado a continuar, até mesmo para impedir que destruam a única coisa perfeita da qual já ouvi falar. Agora, antes que escureça, vamos nos preparar para receber aqueles nossos visitantes. Quem estiver armado fique com a arma ao alcance das mãos. De agora em diante nos revezaremos na vigia, em turno de duas horas. Primeiro, Eleanora; segundo, Montezuma; terceiro, Martinelli; quarto, Azevedo; eu fico por último que é perto da hora que, provavelmente, estarão se aproximando. Aproveitem para se banhar, comer e esticar as pernas, pois teremos que dormir cedo.


domingo, 24 de maio de 2009

X – A CARTA ENCONTRADA




"Caro amigo reverendo Jonathan Wells


Tento mais uma vez comunicar-me com você, pois nem sei se recebeu as outras mensagens que enviei anteriormente. Desta vez mando-a em mãos, haja vista que três dos sete pombos morreram em suas gaiolas, atacados por uma onça jaguatirica. Esta, porém, acredito que meu jovem ajudante Jeremiah conseguirá entregar-lhe.

Restam-me poucos homens da nossa expedição: fomos atacados por selvagens, guerreiros conhecedores da selva e de seus atalhos; apesar de nossas armas de fogo, não conseguimos fazer frente e vencer as suas lanças, flechas e porretes. Este teu amigo, Jeremiah e Messias conseguimos fugir desesperados e por sorte encontramos um buraco estreito, em um ponto da Serra do Roncador, onde só se consegue passar um homem de cada vez. Entramos no buraco e, após dois dias nos arrastando por esse túnel pouco oxigenado, fomos parar em uma galeria, ocasião em que Messias, com problemas respiratórios, veio a falecer. Pudemos perceber que nessa galeria havia uma outra saída: um pequeno túnel de onde saía muita luz e, também, podíamos ouvir, de quando em quando, um som ensurdecedor. Passamos mais dois dias na galeria, na tentativa de recuperar as forças antes de seguir viagem. Teríamos que decidir: voltar pelo mesmo caminho, correndo o risco de encontrar novamente com os selvagens, ou seguir em direção a luz do túnel sem saber onde ia dar. Pelo fato dessa luz não conter calor, deduzimos que não era proveniente de nenhum vulcão e, talvez, seria um caminho mais curto para percorrer.

Reverendo, o senhor não faz idéia do que encontramos nessa galeria, antes de seguirmos pelo túnel! Um chapéu muito parecido com o que Fawcett usava, aliás, é quase certo que seja o dele.

Ao sairmos do túnel de luz, após umas cinco horas de jornada, chegamos a um portal que era a fonte de toda aquela luz. Quando passamos por ela sentimos a dor mais intensa que um ser humano pode sentir. Parecia que estávamos sendo divididos em milhões e milhões de pedaços e éramos batidos e arremessados como se estivesse no centro de um furacão. Não sei precisar quanto tempo durou esse fato.

Acordamos às margens de um imenso lago de águas cristalina e ao seu redor uma paisagem de beleza sem fim, um céu com rajadas lilás e laranja; o sol lançava seus raios em algumas nuvens, tão brancas como algodão, criando contornos dourados em cada uma delas. Tudo era tão infinitamente lindo que me é impossível descrever sem ser injusto com a mais bela criação de Deus. Colombo, ao pisar na América, não sentiu um milésimo do que senti ao fitar tamanha obra divina. Flores de todas as espécies exalam seus perfumes e salpicam de colorido um tapete matizado com centenas de tonalidades da cor verde; os frutos pendurados em cachos nas árvores, mais parecem adornos em tonalidades amarela, vermelha, roxa, verde e mil outras cores. No ar o cheiro agradável da uva, da laranja, da maçã, entre outras nunca vistas por nós. Os animais, que em nosso sistema são carnívoros, aqui andam lado a lado com os cervos e lambem nossas mãos sem nenhuma agressividade.

Perdemos a noção do tempo. Nossos relógios param e horas mais tarde voltam a funcionar, por essa razão, não sei lhe dizer há quanto tempo estamos aqui.

Caminhamos por lugares incríveis até chegarmos a uma comunidade formada por artesãos. Eles nos acolheram e trataram nossas feridas. Aqui come-se pouco e ninguém colhe os frutos além do necessário; durante três vezes por dia, sentimos que uma grande energia nos alimenta o corpo e a alma, nessa hora podemos sentir sabor e aroma deliciosos; essa energia é chamada de Anágma.

Os artesãos só fazem suas artes e construções a partir de matéria morta, não cortam árvores, não matam animais e não estragam os frutos ali existentes. A Anágma, de acordo com eles, retira o néctar, o sabor e as substâncias das plantas e dos frutos; as proteínas dos animais fazendo uma mistura e, quando a luz nos toca, ficamos alimentados e confortados. É como se tivesse, realmente, comido e sentido o sabor de tudo. É um mundo espiritual, meu amigo, embora ainda sejamos de carne e osso.

Através de Jeremiah, que Deus o ajude a chegar bem, estou lhe enviando um presente valioso: um violão que igual não existe, feito por maravilhosos artesãos daqui deste lugar; o homem que tocá-lo não estará executando uma canção e sim transformando-se nela. Não sei se em nosso mundo impuro ele terá os mesmos poderes, mas alguns, com certeza, hão de lhe restar.

Reverendo, envio esta carta pelo Jeremiah, pessoa de minha inteira confiança, e por achar injusto que o amigo fique preocupado comigo. Peço, encarecidamente que depois que ler esta carta a destrua, pois seria horrível ver este mundo invadido pela maldade e pela impureza dos homens que habitam aí desse lado.

Quanto a mim, jamais voltarei! Pois torna-se impossível, conhecer um lugar como este de tamanha beleza e com seres que não conhecem a maldade, e querer voltar a um mundo tão cheio de violência e desrespeito ao próximo.
Adeus meu bom amigo!"



IX – AS CARTAS DE MCCARTHY




Depois de acomodados e termos feito nossa primeira refeição na mata, Constantino pediu que nos reuníssemos junto ao fogo e explicou com seu sotaque inglês:

- Bem, agora que estamos isolados, podemos falar abertamente e esclarecer alguns pontos que eu não podia revelar enquanto estávamos na civilização.

- Sendo bastante sincero, Dr. Constantino, aguardava este momento com muita ansiedade - falei, mal acreditando que iria ouvir a revelação.

- Finalmente vou saber em que posso ser útil nesta aventura - disse o músico italiano.

- Saberão - afirmou Constantino.

- E sobre a morte estranha de Bob Carlson, saberemos também? - indagou Norma.

- Infelizmente, sobre isso não poderei falar nada além do que já sabem. Porém, posso afirmar que estamos em uma empreitada que pode causar uma revolução, mudar conceitos, derrubar teses e, enfim, as descobertas que podemos fazer não são possíveis de serem imaginadas. Então, também não é impossível que alguém tente nos impedir ou mesmo chegar antes de nossa equipe ao objetivo. Mas, se alguém pensa que pode se utilizar de meios nada éticos para nos impedir que alcancemos a nossa meta, está completamente equivocado - alertou Constantino.

Cerrado levantou-se, jogou o resto de café na fogueira e dirigiu-se a todos:

- Sendo possível o que está dizendo, reforço minhas suspeitas sobre o pouso daquele helicóptero. Estão atrás de nós.

- Dio mio! Noi tutti morire! - disse Felipo parecendo muito assustado.

- Se estão atrás do que procuramos, provavelmente não nos incomodarão até que encontremos o que eles querem... ia dizendo Eleanora, quando a interrompi:

- Porém, se querem apenas nos impedir de chegarmos ao destino, podem tentar acabar com a gente aqui mesmo. Não acham? - indaguei.

- Quando percebi que a morte de Carlson era suspeita, resolvi mudar os planos: não fomos a Barra do Garças, como estava previsto no início; resolvi pousar longe da serra tentando, assim, despistar alguém que, por ventura, quisesse nos seguir. Em parte, minhas providências foram frustradas, mas, em compensação, ganhamos algum tempo e os deixamos em dúvida - disse o sertanista.

- Como? - perguntou o biólogo Azevedo.

- Devem estar queimando os miolos tentando descobrir porque pousamos tão longe da serra. Podem estar pensando que a serra era uma pista falsa e, assim sendo, terão que vir ao nosso encalço; o que já devem estar fazendo, porque imaginam que se armarem uma emboscada próximo a serra, correm o risco de nunca nos pegarem, na hipótese de o nosso destino ser outro.

- Você está dizendo, com todo esse otimismo, que seremos perseguidos e caçados como animais? - gritou Felipo, sem o costumeiro sotaque italiano, demonstrando desespero.

- Não - interrompi - o que o Cerrado quer dizer é que ganhamos cerca de 14 horas para descansar e armar uma bela surpresa para esses canalhas que, quando nos encontrarem, estarão cansados e sedentos. Certo Cerrado?

- Exatamente isso Montezuma - respondeu o sertanista.

- Senhores, mais tarde o Sr. Antônio Cerrado dará todos os detalhes de como faremos para nos defender desses bandidos. Mas, agora, quero mostrar algo a vocês que vão deixá-los atônitos. Também quero esclarecer ao Sr. Felipo Martinelli sobre a importância dele na nossa equipe - insistiu Constantino dando continuidade a explanação:

- Bem, após a perda do coronel Fawcett nas selvas de Mato Grosso, surgiram várias tentativas de explicação para o seu desaparecimento. Uns dizem que foi assassinado pelos índios e até uma ossada foi localizada e atribuída a ele. Entretanto, nada ficou provado. Em 1947, um outro fato relacionado aos mistérios da Amazônia, aconteceu: o professor inglês Hugh McCarthy, ao tomar conhecimento das viagens de Fawcett, resolveu viajar de Nova Zelândia até o Brasil e, no Rio de Janeiro, passou a pesquisar documentos de Fawcett e suas expedições. Após examinar os documentos, viajou para Peixoto de Azevedo, na época uma pequena cidade, no norte de Mato Grosso. Lá conheceu o reverendo Jonathan Wells que já habitava naquela região há muitos anos - Constantino pigarreou e tomando um gole de água continuou sua narrativa:

- McCarthy contou ao Jonathan Wells o motivo de sua vinda ao Brasil. O reverendo, no entanto, tentou dissuadi-lo de seu intento explicando que a selva era muito perigosa, cheia de animais ferozes e índios hostis. Nada fez com que o professor desistisse de seu intento. Wells, então, ofereceu-lhe sete pombos correio para que ele mandasse notícias. McCarthy agradeceu e partiu em uma canoa para nunca mais voltar. Muitas semanas depois, o reverendo recebeu um dos pombos com uma carta explicando que ele havia sofrido um acidente, mas que estava em uma tribo indígena que cuidava muito bem dele. Jonathan Wells percebeu que aquela era a terceira carta; as duas primeiras não haviam chegado. Após muito tempo, o reverendo recebeu a quarta carta que relatava a sua situação na selva: ele dizia que estava sozinho, no meio da floresta e que escalaria o pico de uma montanha onde se encontrava, e que, certamente, iria chegar a cidade de ouro do coronel Fawcett. Dizia ainda - continuou Constantino - que se fracassasse, teria valido a pena. O reverendo, no entanto, não organizou expedição alguma para localizar a cidade de ouro, pensando que Hugh McCarthy havia enlouquecido e que as narrativas de suas cartas não passavam de delírios.

Mostrando cansaço, Constantino parou, para descansar, por cerca de 30 minutos e voltou com uma aparência melhor. Ele já estava com a idade avançada e teríamos que ter alguns cuidados. Eleanora serviu um café forte e quente a todos e Constantino prossegui a sua narrativa:

- O mapa que trazia a localização da cidade abandonada na selva de Mato Grosso, misteriosamente, desapareceu e, com ele, a possibilidade de encontrá-la. A misteriosa "Z" continua oculta. Parece que se esconde da ação devastadora do homem - finalizou olhando nos olhos de um por um de nós.

- Dr. Constantino, o que o senhor acabou de revelar não é novidade nenhuma; qualquer aluno do ensino fundamental sabe disso - falou decepcionada Eleanora.

- Calma doutora, o que ninguém sabe é que encontrei uma dessas cartas que o reverendo disse nunca ter chegado - revelou Constantino.

- O que!? Isso é fantástico! Tem prova de que é realmente uma das cartas? - perguntou vibrando Eleanora.
Você não acredita que eu esteja jogando uma fortuna pela janela, baseado em uma carta falsa, não é Eleanora? Por favor, sinceramente! A originalidade foi testada por oito dos dez maiores peritos arqueólogos do planeta! - disse Constantino meio aborrecido com a dúvida de Eleanora.

- Então isso explica o vazamento de informação - argumentou Cerrado.

- Não vamos voltar a esse assunto - pediu Norma - podemos ver esse documento?

- Tudo a seu tempo, minha cara... meu filho é músico, estava em Nova Iorque e resolvi procurar um objeto, realmente magnífico, para presenteá-lo em seu aniversário. Fiquei sabendo de um antiquário, especialista em instrumentos musicais, e fui encontrá-lo. Ele realmente tinha muitos objetos interessantes, mas a minha curiosidade e a vontade de dar algo inesquecível para o meu filho, fez com que ele me apresentasse ao seu instrumento mais precioso.

- Diabos - cortou Eleanora - o que isso tem a ver com a maldita carta? Não temos tanto tempo assim, Dr. Constantino.
Ignorando o protesto de Eleanora, Constantino continuou sua história:

- Um violão... um violão Sr. Felipo. O violão mais incrível, de afinação perfeita e som inigualável. De acordo com o antiquário, vindo da região amazônica do Brasil. O instrumento não tem selo e nem marca, não é industrial e deve ter sido fabricado a cerca de cento e cinquenta anos. Porém, alguns de seus acessórios datam de mais de cinco séculos. A madeira do braço é muito parecida com ébano, mas peritos garantem que não é e que nunca conheceram nada assim. É uma madeira desconhecida e foi curtida por cerca de duzentos anos para depois ser talhada.

- Questo è incredibile! - gritou entusiasmado Felipo.

- E, não é só. Eu resolvi periciar esse violão por alguns motivos: meu filho, insistentemente, dizia que aquele violão não era normal, que seu som era místico e que ele parecia fazer parte de quem o tocava. Certa vez, ele estava tocando Villa Lobos para mim e uma mosca pousou no bojo do violão e meu filho emocionado me disse:

- Papai! Estou sentindo...

- Sentindo o quê? - perguntei.
E ele respondeu emocionado:

- A mosca, como se estivesse pousado em mim!!!
Fiquei muito intrigado com isso e resolvi procurar novamente o antiquário em Nova Iorque que me revelou já ter sentido algo parecido com o que meu filho sentiu. Em vista do meu interesse, ele pediu que eu o seguisse até um quartinho nos fundos da loja e me falou: Dr. Constantino, minha especialidade é instrumentos musicais mas, esta estatueta foi adquirida pelo meu pai, junto com aquele violão, trazidos por um jovem inglês que dizia ter voltado de uma expedição catastrófica pelo Brasil. Segundo ele, seguindo as trilhas de um certo coronel Fawcett que teria desaparecido por lá.

- Perguntei ao antiquário se ele havia testemunhado o ocorrido e ele respondeu que o pai havia contado. O interessante é que adquiri a estatueta por uma pequena fortuna e ela era idêntica a que Fawcett teria recebido do escritor Rider Harggard, em 1911. O mais incrível é que as tarraxas do violão foram feitas com pedra igual a da estatueta - explicou Constantino.

- Tudo bem, mas o senhor está se esquecendo da carta! - disse Eleanora, demonstrando irritação.

- Está bem, o fato é que, durante a perícia feita no violão, pode-se constatar que dentro dele havia uma carta: esta que vou ler para vocês agora - Constantino colocou os óculos e os ajeitou ao nariz, olhou a cada um de nós e começou a leitura:


sexta-feira, 15 de maio de 2009

VIII - SERRA DO RONCADOR



O helicóptero pousou em uma clareira a cerca de dez quilômetros da Serra do Roncador. Enquanto descarregávamos nossos equipamentos, em minha mente era agitada por um turbilhão de idéias aflitas. Logo em seguida, o helicóptero levantou vôo deixando-nos completamente a sós no meio daquela mata que era muito bonita mas, assustadora. O silêncio era tão grande que podíamos ouvir um ruído por mais baixo que fosse. Olhamos a nossa volta e não víamos outra coisa a não ser mato. Logo começaria a escurecer e tudo ficaria mais terrível ainda. Nossa! Não via a hora de voltar para a cidade e poder usufruir de todo aquele dinheiro que me esperava.
Cerrado pediu-nos que aproximássemos e informou:

- Por hoje acamparemos aqui, portanto, montem suas barracas e vamos preparar algo para comer. Mais tarde o Dr. Constantino fará algumas revelações a vocês.

Norma caminhou alguns passos e com os olhos firmes no céu nos alertou:

- Estão ouvindo isso? Parece que o helicóptero está voltando! Olhem!... já se pode ver!

- Não é o nosso! Esse é outro helicóptero e parece que vai pousar próximo daqui - inteirou o biólogo Sérgio Azevedo que, até então, pouco falava.

- Isso não é bom! - emendou Cerrado - vamos ficar atentos e com as armas ao alcance. Temos que nos manter unidos e não se afastem do acampamento.

Pelo semblante preocupado dava para perceber que o sertanista farejava encrenca no ar. Então me dirigi a ele:

- O que tem, amigo?

- Antes de iniciarmos a expedição já perdemos um homem, não quero perder mais ninguém.

Felipo nos interrompeu gritando em italiano:

- Lasciare un caldo caffè!

- Em boa hora! - comentou Eleanora se dirigindo para a pequena fogueira.

- Não é bom que apaguemos o fogo? - perguntei a Antônio Cerrado.

- Deixemos que saibam nossa localização. Se houver um confronto é melhor que seja logo; em todo o caso, se vierem atrás de nós, só nos alcançarão amanhã. Vou preparar uma boa recepção para eles - afirmou.

Eleanora se aproximou e, com um belo sorriso, ofereceu-me uma caneca de café. Sorvi alguns goles e olhando para ela disse:

- Sabe Eleanora, começo a questionar se valeu, realmente, a pena aceitar este trabalho... estou pressentindo muitos problemas pela frente.

- Claro que valeu, Montezuma! Não percebe como está escrevendo? É muito bonito ver você escrever: seu rosto assume feições diversas... vejo você transpirar prazer.

- Sério? Pensei que não fosse mais se dirigir a mim!

- Só não sou pegajosa: se estou a fim converso, do contrário ignoro.

- Meio egoísta sua visão de relacionamento.

- Não sou hipócrita, apenas isso.

- Você é linda, mas também muito complicada. Me apavora a idéia de me apaixonar por você.

- É bom que não se apaixone; se pintar clima a gente faz amor, mas por pura atração sexual, sem sentimentos envolvidos.

- Não, obrigado. Eu passo, vamos deixar as migalhas para os famintos.

- Pretensioso, quem disse que eu transaria com você? Volte a se distrair com o seu computador - disse se afastando zangada.

Cerrado nos observava e cochichou em meus ouvidos:

- Parabéns Montezuma, você conseguiu deixá-la irritada. Geralmente, ela não se irrita com os homens, apenas os ignora. Você parece ser especial, mexe com ela.

Parece que a sereia, finalmente, foi fisgada - brincou ele.

- Que morra com o anzol na boca! Não quero nem papo com essa bruxa!

- Xiii... será que você também se apaixonou?

- Não me perturba Cerrado, vai procurar o que fazer.

VII - O CRIME



Quando entrei no restaurante do hotel, o clima estava tenso: todos estavam reunidos, com excessão do físico americano Bob Carlson. Cerrado já se encontrava entre eles. Fiquei, por alguns instantes, observando e pude notar que estavam agitados. Felipo andava de lá para cá, enquanto que Constantino passava, com frequência, a mão pela cabeça. Resolvi saber o que de tão grave estava acontecendo e perguntei:

- Ei! O que está acontecendo?

- Bob Carlson morreu... parece que deu uma fugida pra cidade, e foi vítima de assaltantes - disse, com ar triste, o sertanista.

- Caramba! Como pode? Em plena luz do dia...resmunguei assustado.

- De acordo com a polícia, o Bob deve ter reagido ao assalto. Os bandidos não levaram nada, nem dinheiro, celular ou relógio, estranho, não? Acho que tem ligação com nossa viagem e como apenas nós sabemos sobre ela, é bom, meu amigo, dormir-mos com um olho bem aberto - advertiu Cerrado.

- Já disse isso aos outros? - perguntei.

- Está louco? Aqui não sabemos quem é o lobo e quem é o cordeiro... só preveni a Eleanora e agora estou alertando você - disse apertando os olhos.

- Por que confia em mim?

- Acho que pelos seus antigos sapatos e pela mancada que deu com a Eleanora. Você não tem perfil de bandido - zombou Cerrado.

- As vezes sei ser mau - respondi com ar irônico.

- É... você é mesmo assustador! Vamos esperar notícias, enquanto jantamos - disse sorrindo, o sertanista.

- Jantar? Depois de uma tragédia dessas? Não tenho estômago! - falei sentindo uma certa repugnância por tudo aquilo.

- Problema seu. Não consigo dispensar uma costelinha de porco - brincou Cerrado.

- Com essa morte, será que nossa viagem chegou ao seu final? - indaguei.

- Depende da polícia e da perícia, por enquanto tudo segue como o planejado - respondeu ele.
Após alguns minutos, resolvi que jantaria e me dirigi para o restaurante do hotel. No imenso salão só estavam Eleanora e Cerrado que, animadamente, conversavam como se nada tivesse acontecido. Ela respondeu ao meu cumprimento, mas sem dar-me atenção. Parecia que os dois tinham muita coisa para por em dia. Eleanora estava mais linda do que nunca: vestia um vestido verde escuro que deixava à mostra seus seios fartos, os cabelos longos e soltos caiam em cascata pelos ombros de pele morena.
Fiquei ali olhando-a até que uma voz fez-me voltar a realidade:

- Assim que puderem venham para a sala de reunião, precisamos conversar - pediu nosso contratante.

Terminamos o jantar e em seguida fomos ao encontro de Constantino que nos informou que a viagem continuaria como programado e, apenas, não passaríamos por Barra do Garças, seguiríamos direto para a Serra do Roncador. A viagem seria de helicóptero. Constantino recebeu os agentes de polícia e deu todas as informações necessárias. Assim, ficamos isentos e nem precisamos ser ouvidos por eles. Após a conversa com os policiais, Constantino apresentou-nos à arqueóloga, Norma Mattos: muito bonita mas sisuda e de pouca conversa; sua pele era clara e os cabelos bem louros, dando para notar que eram tingidos; aparentava entre 30 e 35 anos, o corpo bem feito e um pouco mais de 1,70 de altura.

O dia foi exaustivo, pedi licença e subi para o quarto: tentaria dormir. Confesso que as suspeitas do Cerrado me deixaram apavorado e não me agradava nem um pouco a possibilidade de ir para o meio da selva com um assassino. Por outro lado, nada indicava que essa morte tivesse algo a ver com nossa expedição.

A noite foi longa, não conseguia dormir, mas quando começou a amanhecer, vencido pelo cansaço, tentei me convencer de que tudo não passava de imaginação do Cerrado, ou que, na pior das hipóteses, o que ele queria era me assustar. Acabei adormecendo.

Na hora marcada, Constantino já nos esperava no heliporto. Seria mais um dia cansativo, pois eu havia conseguido dormir cerca de meia hora. Disfarçadamente, me aproximei dele e tentei arrancar alguma informação:

- Como faremos agora sem o físico? Ele era muito importante para a expedição? - perguntei.

- Como era! Em determinado ponto do nosso trajeto, suas informações seriam muito úteis - afirmou Constantino.

- É um portal, não é, Dr. Constantino? Um portal para outra dimensão ou plano... e o senhor tem as provas da existência dele! - Constantino continuou calado me observando e continuei: não são apenas alucinações de um milionário excêntrico!

- É um homem muito esperto sr. Montezuma, mas não falemos sobre isso, por favor, até chegarmos ao local - pediu fazendo um gesto com as mãos como se estivesse cansado de tudo aquilo.

- Só mais uma coisa, por favor: a morte de Bob tem ligação com tudo isso, não é? - insisti.

- Tudo indica que sim, agora... quem é o responsável... não tenho como saber - respondeu mostrando preocupação.

- A polícia... como ela nos liberou? - quis saber.

- Foi necessário que eu utilizasse a minha influência. Quando voltarmos eles já terão descoberto o assassino - respondeu o velho, com o cansaço estampado no rosto.

- E se for um de nós? - voltei a perguntar.

- Pouco provável, entretanto é um risco que teremos que correr - disse ele apontando para o helicóptero que já estava pronto para decolar.

domingo, 26 de abril de 2009

VI - ELEANORA


As idéias giravam no meu cérebro sem cessar, não conseguiria dormir, optei por tomar um banho e descer para estirar as pernas, Fui até o bar do hotel e pedi um pingado (café com leite) e um bauru. Enquanto saboreava o sanduíche vi uma bela moça, aparentando cerca de 30 anos, na varanda olhando para as flores que salpicavam com cores o verde do jardim. Fiquei observando-a até que desapareceu por entre as plantas que enfeitavam o pátio do hotel. Imaginei que ela seria uma das colaboradoras do Constantino. Nossa! Seria bem legal viajar em companhia de uma gata daquelas. Resolvi montar um cavalo e dar um passeio pelos arredores do hotel; cavalguei pela trilha maior até o seu final. Mais à frente, uma trilha menor seguia até umas rochas próximas a um aglomerado de árvores e, instintivamente, galopei para lá. Voltaria logo para o hotel, pois não queria passar por outro constrangimento de chegar atrasado para mais um compromisso: o jantar.

Ao chegar nas rochas, apeei do cavalo e amarrei suas rédeas em uma pequena árvore. Andei por alguns minutos e ouvi barulho de água do outro lado da trilha, próximo a mata. Mais à frente avistei uma pequena cachoeira que desaguava num córrego cristalino. Tudo era, realmente, muito bonito. Abaixei-me, bebi um pouco daquela água pura e ao levantar a cabeça senti o meu corpo estremecer: ela estava lá, estirada nas pedras completamente nua; os cabelos castanhos, longos e levemente encaracolados envolviam parte de seus ombros; a pele bronzeada com gotas de água brilhando ao sol deixava-a ainda mais bela. Meu Deus! Prendi a respiração e fiquei parado com medo de, algum ruído, estragar aquele momento. Não sei por quantos minutos fiquei ali admirando-a até que uma voz trouxe-me de volta à realidade:

- Pode pegar as minha roupas? Estão do seu lado.

Uma tremedeira dos diabos tomou conta do meu corpo ao ouvi-la; olhei à minha volta e vi suas roupas penduradas em um galho: peguei-as e caminhei lentamente em direção à ela. Estiquei o braço para entregá-las e, em vão, procurei não olhar diretamente para aquele monumento. Pegou a roupa com um ar malicioso, se vestiu e ficou a me observar por alguns instantes.

- Você é da expedição? - perguntou demonstrando pouco interesse.

- Sim, vou documentar tudo. Sou jornalista e você?

- Historiadora Eleanora Canúh e estou aqui há alguns dias, cheguei antes de vocês.

- É, o Dr. Constantino comentou que você e a arqueóloga estariam aqui. Meu nome é Montezuma e confesso que fiquei surpreso, não é sempre que se cruza com uma sereia, disse eu com ar abobalhado.

- Está na hora de voltar para o hotel, vai ficar aí parado?

- Bem que eu gostaria, mas temos compromisso para o jantar... não é?

Chegamos ao hotel e cada um foi para o seu aposento. Eu estava ansioso por um banho, mas ainda maravilhado com a visão da Eleanora. Cerrado, encostado em sua cama, assistia a televisão. Comentei:

- Antônio, saí para cavalgar e encontrei uma pequena cachoeira, mas você não imagina quem estava lá!

- Imagino sim, meu caro amigo. Pela sua cara você só pode ter visto Eleanora, nua e linda, após o mergulho, estirada como uma sereia nas pedras.

- Você também esteve lá? - perguntei embasbacado.

- Não companheiro, mas sei que ela é apaixonada por água e esta é a sua maneira peculiar de se relacionar com a natureza.

- Então você a conhece?

- Claro, foi dessa mesma maneira que a conheci e me apaixonei por essa bela mulher - lembrou o sertanista.

- Então vocês...

- Não, não! Tudo é passado, caminho livre, amigo - disse acrescentando: Ela te pediu as roupas?

- Sim. Por quê?

- Você entregou as roupas a ela? - perguntou Cerrado com ar zombeteiro.

- Sim! Por quê? - respondi sem entender o questionamento dele.

- Prá um jornalista, você é bastante ingênuo. Ela te deu um sinal e você não entendeu nada. Não sei se terá outra chance ... ela é muito temperamental - comentou.

- Não fala sério..., não é Cerrado?

- Veja bem Montezuma, se ela não tivesse simpatizado com você teria te expulsado de lá. Eleanora traz sempre consigo, uma arma para se proteger. Ao te pedir as roupas, ela o autorizou a aproximar-se. Dançou, amigo, mas teremos outras cachoeiras pelo caminho.

Me dirigi ao banheiro pensando no que disse o Cerrado. Após o banho perguntei:

- Você não vai descer para jantar com o pessoal?

- Sim, vou, também, matar a saudade da Eleanora - respondeu o sertanista.
Aprendi a gostar do meu companheiro Cerrado, mas a superioridade que ele impunha quando falava da Eleanora me deixava irritado. Parecia que eu estava sempre um passo atrás dele.

V – MATO GROSSO


Desembarcamos no aeroporto Marechal Rondon, na cidade de Várzea Grande, fato que levou alguém a protestar:

- Não íamos descer em Cuiabá?

Prontamente respondi:

- É só atravessarmos a ponte sobre o rio Cuiabá e estaremos na capital. Os municípios de Cuiabá e Várzea Grande são separadas apenas pelo rio Cuiabá - ensinei.

Um carro espaçoso e confortável esperava para nos levar ao hotel. Ficamos sabendo, pouco antes de chegar à hospedaria, que as duas mulheres que completariam nossa equipe já se encontravam ali. Dr. Constantino procurou falar com elas, enquanto fomos para nossos aposentos. Era um hotel fazenda muito agradável e aconchegante. Gostei do ar puro e das belas plantas que exibiam suas folhas verdes mescladas de um dourado ocasionado pela luz do sol. Ficou acertado entre nós que desceríamos apenas na hora do jantar, ocasião em que seríamos apresentados às duas moças. A curiosidade me inquietava e mais uma vez eu dividiria o quarto com o sertanista. O tempo estava seco e, da janela do apartamento, ao olhar para o horizonte, podia ver sinais de fumaça e poeira, mas, a paisagem mais imediata era verde e viva por estar constantemente molhada pelo sistema de irrigação do hotel.

- Quando falam que Cuiabá é quente não estão brincando: agora deve estar fazendo uns 38º graus - comentou Cerrado passando a mão pela testa - o que me preocupa é que esta expedição está fora de época; deveria ter sido feita mais cedo. A qualquer hora pode começar as chuvas e se tem coisa que não combina, amigo, é expedição em mata com chuva: os perigos se multiplicam, uma gruta pode encher em questão de minutos, isto sem falar nas trilhas que, simplesmente, deixam de existir ...

- Você argumentou sobre isso com o Constantino? - indaguei;

- Tentei ... mas, de acordo com o professor e o tal físico, este é o período propício para que eles encontrem o que procuram - respondeu com ar de cansaço.

- Então o físico sabe o que está fazendo aqui - argumentei.

- Pelo que pude notar ele sabe tudo sobre esta viagem. Mas não se consegue arrancar nada dele, nem mesmo um bom dia - replicou.

- Você também sabe tudo, não é? - investiguei.

- Talvez um pouco mais que os outros, mas exatamente o que procuram não sei. Às vezes penso que o velho acredita em vida subterrânea, um mundo embaixo da terra com pessoas ainda mais evoluídas que a nossa civilização. Coisas assim de doido, sabe ... - disse apontando o dedo indicador para a cabeça.

- Nossa! Por que não pensei nessa eventualidade? Isso explica a presença do físico! Não procuram um mundo subterrâneo, mas sim uma passagem subterrânea! - parecia que finalmente tudo se tornava claro em minha mente.

- Como? Passagem para onde? Prá algum vale perdido? Com tantos satélites no espaço, se existisse algum já teria sido descoberto. Não pode ser - argumentou discordando, meu companheiro de quarto.

- Vale perdido, talvez, mas em outra dimensão, eles procuram um portal! Um portal para outra dimensão! - respondi olhando para o vazio.

- Acho que o calor fritou seus miolos. É melhor que descanse um pouco. Outra dimensão ... cada uma ... falou irritado o sertanista.

IV – A VIAGEM


Às 9h40, do dia seguinte, estávamos prontos para a partida. O sol brilhava intensamente parecendo nos desejar boa viagem. O Dr. Constantino, bem humorado, saboreava um bom vinho, e conversava animadamente com o músico italiano; enquanto os outros tomavam, por opção, cachaça e cerveja. O fato de não ter refrigerante a bordo, me deixava muito irritado. Fiquei mal humorado e procurei me concentrar nas escritas.

O avião, um jatinho, oferecia muito conforto e, por um instante, pensei que havia sido providencial ter escrito artigos sobre a Serra do Roncador; escrevi tantas coisa interessantes e o retorno veio justamente de onde não esperava. Sem me dar conta gritei entusiasmado:

- Vivas ao mister Fawcett!

Fui seguido por um coro de vozes amolecidas pelo álcool:

- Viiiivas!

sábado, 25 de abril de 2009

III – SAPATOS NOVOS


Eu sentia fome e frio. Resolvi, então, que primeiro iria por bons sapatos para depois me alimentar. Queria sentar no restaurante sem ser incomodado por olhares maldosos e indiscretos que percorriam meu corpo da cabeça aos pés. Comprei, na rua São Bento, o que precisava com maior urgência, sem me esquecer dos calçados, é claro. Voltei para o apartamento do Dr. Constantino, tomei um banho, vesti roupas novas e ao calçar os sapatos senti-me confortável. Agora vou almoçar, pensei sorrindo. Desci pelo elevador e quando cheguei à calçada olhei ao meu redor e tudo parecia mais bonito, até a garoa que caia, insistentemente, dava um toque especial à paisagem. As pessoas transitavam pelas ruas e, agora, pareciam mais alegres. Sai à procura de um restaurante quando lembrei-me do Paddock Bar; dirigi-me para a avenida Lavandisca, em Moema; Sérgio Louzão, jornalista esportivo e empresário, é o seu proprietário. Ao entrar no restaurante o maitre indicou-me uma mesa, sentei-me e, sem medo de mostrar os pés, peguei o cardápio e escolhi um dos principais pratos da casa "Crepe de Camarão" e, para acompanhar, pedi água. Pessoas bem vestidas e alegres passavam pela minha mesa e alguns até sorriam para mim. Nossa! De uma hora para outra, como num toque de mágica, a minha vida havia mudado do "vinho para a água" - pensei sorrindo - por ter invertido, propositadamente, as palavras da frase. Eu estava feliz e isso não acontecia já há alguns anos. O nome do restaurante fez-me lembrar dos bons tempos de criança, quando ia com meus pais almoçar no restaurante Paddock da rua da Consolação, bem perto da avenida São Luiz. Hoje, o mesmo endereço abriga o bar-clube Royal. Lembro-me muito bem das pessoas bem vestidas tagarelando em suas mesas enquanto aguardavam o atendimento dos garçons que, agitados andavam de um lado para o outro em seus trajes preto e branco e gravata borboleta. Estava evolvido em minhas reminiscências, quando ouvi:

- Posso servi-lo senhor?

- Sim, por favor - respondi me ajeitando na cadeira.
Após a refeição voltei para o prédio onde estávamos hospedados; agora ele já não me parecia tão assustador, era somente um antigo edifício, como muitos outros da capital paulista. Ao entrar no apartamento encontrei o Cerrado que perguntou-me de imediato:

- Posso dividir o quarto com você? Sou meio diferente dos outros - explicou meio sem jeito.

- E o que te faz imaginar que também sou diferente deles? perguntei sorrindo.

- Os seus antigos sapatos - respondeu Cerrado olhando para meus pés.

- Está bem, Cerrado, podemos dividir o quarto.

À noite resolvi dar uma caminhada e convidei uma garota para o passeio, já que, provavelmente, eu ficaria no mato por um bom tempo. Divertimo-nos muito e lá pelas duas da manhã eu já estava deitado em uma cama confortável no apartamento da Barra Funda.

As 9h00 estávamos todos reunidos e esse segundo encontro foi mais natural. Conversamos alegres e alguns até arriscavam algumas tímidas brincadeiras.
Antônio Cerrado pediu atenção e com ar solene nos disse:

- Amanhã, neste mesmo horário, estaremos de partida para Cuiabá, onde ficaremos por dois dias e, em seguida, em um helicóptero, iremos para Barra do Garças e, finalmente, até às proximidades da Serra do Roncador. Após esse vôo, a viagem fica por nossa conta e risco, faremos o trajeto a pé. Entretanto, posso afirmar-lhes que já estive por lá diversas vezes e conheço muito bem aquela região. E, embora não acredite que encontremos algo significativo, quero que saibam que tenho condição de levá-los por lugares nunca visitados por nenhum ser humano. E digo mais, é bom que não tenham medo de cobras, escorpiões e outros animais, inclusive onças, pois eles nos farão companhia nas noites solitárias. Levem apenas o essencial - disse com firmeza.

- Pelo jeito, resolveu liderar a expedição - falou o biólogo deixando transparecer um pouquinho de ciúme da atitude firme do sertanista.

- Estou sendo pago para isso. Espero que todos colaborem para que eu possa mantê-los vivos e não questionem minhas ordens para não terem o mesmo final que o coronel inglês, portanto, não me causem transtornos. Várias expedições de resgate foram organizadas e nenhuma obteve sucesso - prosseguiu o sertanista em tom aborrecido - tudo o que conseguiram saber foram relatos dos nativos que contaram que foram mortos por indígenas hostis ou que animais selvagens os atacaram. Há quem diga, numa versão mais fantasiosa, que Fawcett teria perdido a memória e estaria vivendo como chefe de uma tribo de canibais, ainda alguns falam que ele teria encontrado a cidade perdida e foram impedidos de retornar para não divulgar a existência do local e o segredo ficar mantido. Como podem ver, é complicado; 100 exploradores morreram na tentativa de encontrar membros da expedição, além do desaparecimento, de três expedições de resgate, na mesma região, que continua, até hoje, praticamente inexplorada.
O silêncio se instalou na sala e pude notar o olhar de satisfação do Dr. Constantino ao observar a postura do líder Antônio Cerrado. De certa forma, também fiquei satisfeito; a simplicidade de Cerrado fazia com que ele me passasse mais confiança que os outros. Comecei a tomar gosto por aquela misteriosa aventura, e a achar o tema fascinante, passei, então a registrar cada momento com textos e fotos. O biólogo, talvez por ainda não ter o que fazer, parecia mais irritado; o físico, ainda tentava, assim como o instrumentista, entender qual era a missão de cada um nessa viagem.
Dr. Constantino, mais uma vez, saiu sem explicar o que mais queríamos saber: o que estávamos buscando.

Também resolvi sair um pouco e pude constatar que o prédio estava quase que totalmente desabitado. Parecia que havia sido alugado somente para que nos reuníssemos ali. Achava tudo muito estranho: por que tanto segredo? por que sua explanação sobre Fawcett foi tão superficial? Ficaria atento, porém com uma grana alta em minha conta bancária não era interessante questionar muito, sorri satisfeito voltando às escritas. De repente, Azevedo virou-se para mim com o dedo em riste perguntando:

- Você! Por que nos observa e escreve? O que está escrevendo sobre nós?

- Estou fazendo meu trabalho, é para isso que sou pago, lembra? Porém, certamente, seu trabalho não é ler o que escrevo; em outras palavras, o que escrevo não é de sua conta - respondi com ironia.
Antônio Cerrado demonstrou ter gostado da minha resposta ao biólogo, mas interrompeu nossa discussão dizendo:

- Se queremos sobreviver a essa aventura é bom que pelo menos nos suportemos. Na mata nossos nervos estarão à flor da pele e estaremos muito mais propícios às brigas e discussões, então, é melhor administrarmos com paciência nossas relações agora para que, mais tarde, não nos matemos por lá - pediu mudando rapidamente de assunto:

- Bonitos seus sapatos, Montezuma!

- Comprei uns três pares! Posso saber o que você comprou Cerrado?

- Cuecas - respondeu sorrindo.

Simpatizei-me com o sertanista. Embora mostrasse simplicidade e, às vezes, fosse um tanto grosseiro, percebia -se que tinha certa cultura e objetividade, demonstrando segurança no que fazia. Mas eu ainda o achava um tanto centralizador; cuidou de todos os preparativos da viagem sem pedir ajuda ou opinião a qualquer um de nós. Percebi que, embora respeitasse os outros contratados, não simpatizava com nenhum deles. Informalmente, só conversava comigo, e era insistente em pilhar lembrando dos meus velhos sapatos; talvez lhe faltasse um bom repertório de piadas. O fato é que me agradava ter alguém mais próximo de mim nessa aventura.

Algumas coisas ainda me eram bastante misteriosas, por exemplo: o porquê do músico nessa viagem. Certamente não seria para animar saraus em noites de luar. Por alguns instantes divaguei sobre a aventura e rapidamente adormeci.

sábado, 11 de abril de 2009

II - O ENCONTRO


Numa sala grande, entre mapas, lousas e projetores, além de uma grande mesa para reunião, estavam cinco homens conversando acaloradamente. Um deles, aparentando entre 65 e 70 anos, usava terno cinza de corte perfeito, sapatos pretos de pelica e seus cabelos eram bastante grisalhos,
voltou-se para mim e indagou:

- Tem hábito de chegar atrasado em seus compromissos sr. Montezuma? - mas, parecendo arrependido do comentário acrescentou:

- Esquece… eu já esperava por isso. Sou o Dr. Constantino, seu contratante - disse - apresentando-me as pessoas que ali estavam.

- Estes são: o músico e instrumentista italiano, Felipo Martinelli; o físico americano Bob Carlson, o sertanista Antônio Cerrado e, por fim, o biólogo Sérgio Azevedo - voltou-se então para os apresentados e disse:

- Senhores, este é o jornalista escritor Montezuma de Albuquerque.
Acenaram-me com a cabeça como se desejassem boas vindas. Tive a impressão que olhavam para mim com certa curiosidade. “Ah! Como eu gostaria de saber o que se passava pela cabeça de cada um deles!” Porém, percebi que o único que realmente não estava por dentro de nada do estava acontecendo, era eu. Então, arrisquei uma pergunta:

- Não entendi o que pode haver em comum entre um físico, um sertanista, um instrumentista, um biólogo e um escritor. O que deseja, Dr. Constantino, com esse grupo tão heterogêneo? - perguntei ansioso por uma resposta que se adequassse à situação.

- Tudo a seu tempo, Sr. Montezuma. Mas posso afirmar-lhe que todos serão úteis na hora certa. Mas, já vamos falar sobre o que interessa… tome um café e se acalme - disse o nosso contratante.

Tomamos um café enquanto era discutido futebol, carnaval e política ambiental. Todos pareciam descontraídos, mas, eu, no entanto, não conseguia me interessar por aquela conversa descompromissada. Só uma coisa me interessava: eu queria saber se sairia dali com um emprego garantido. Olhei para eles e percebi que Felipo Martinelli, ao falar, gesticulava muito fazendo com que seu cabelo castanho escuro caísse sobre sua testa, aparentava 46 anos de idade e tinha estatura mediana; Bob Carlson vestia um um fino paletó esporte com couro nos cotovelos e calças rancheiras, tinha os cabelos loiros e a pele tão clara que deixava aparecer algumas sardas, era alto e quando sorria fechava os olhos azulados; Antônio Cerrado vestia jeans, seus cabelos eram pretos e lisos, a pele morena e queimada pelo sol mostrava que estava acostumado a andar pelas regiões mais quentes do país, magro e alto não fazia tipo atlético; Sérgio Azevedo aparentava ser o mais jovem; os cabelos eram levemente ondulados, estatura baixa, usava óculos de grau com aros escuros, sorria amavelmente quando lhe dirigiam a palavra; eu, com meu traje e calçados puídos pelo uso contínuo, sentia-me bastante desconfortável. Um bom banho de loja e o problema estaria resolvido.

- Onde fica o banheiro - perguntei.

- No corredor à sua direita, última porta - disse Constantino.

Agradeci e segui pelo caminho indicado. Ao abrir a porta do banheiro deparei-me com um grande espelho numa das paredes; olhei atentamente para a figura refletida nele e pude ver um homem com 44 anos de idade, de boa estatura, cabelos castanhos tão claros que mais pareciam louros, com dentes alvos e perfeitos mas, a roupa que usava não ajudava muito na aparência. Voltei a pensar na vida difícil e pensei: “tenho que conseguir este emprego, caso contrário, não sei o que será de mim“.

Meus pensamentos foram interrompidos:

- Senhores, queiram se aproximar, por favor - pediu o Dr. Constantino apontando para a grande mesa e acrescentando: chegou a hora de saberem o motivo dessa nossa reunião - ligou um projetor e começou a explanar o que aconteceria dali para a frente.

- Antes que me esqueça - esclareceu - vamos para Mato Grosso e, em Cuiabá, se juntarão ao nosso grupo mais duas pessoas: uma historiadora e arqueóloga e uma geóloga, renomadas. Bem, vamos ao que interessa - prosseguiu ele - em 1925, aproximadamente, desapareceu, no estado de Mato Grosso, o coronel Percy Harrison Fawcett. Acredito que, pelo que já foi divulgado, devem conhecer a história, mas faço questão de reavivá-la em suas mentes. Fawcett era um arqueólogo independente, cheio de qualidades; um militar inglês com a aventura em suas veias, não fugia de obstáculos e não lhe faltava coragem; um homem místico e, sem dúvida, um dos maiores aventureiros da história real. A procura de cidades perdidas, Fawcett se embrenhou pelas matas fechadas e, próximo a um lugar denominado Serra do Roncador, desapareceu sem deixar vestígios. Fawcett acreditava que o Centro Oeste brasileiro havia sido o cenário do naufrágio do Continente da Atlântida, - disse o Dr. Constantino afastando-se para mais um café.

“Nossa! Em pleno século 21 um maluco milionário arregimenta especialistas em diversas áreas e lança-os em uma ridícula aventura de pura ficção. É incrível! Como posso me meter em tantas situações embaraçosas?” - pensei, perplexo. E então resolvi perguntar:

- Desculpe-me Dr. Constantino, mas quero crer que o senhor não pretende nos convidar para brincar de Indiana Jones, não é?

- Exatamente sr. Montezuma! Vocês foram escolhidos a dedo para essa jornada. Conheço cada um dos participantes deste evento; sei tudo sobre a vida de cada um e, tem mais, já providenciei um depósito bancário no valor de 500 mil reais para cada um de vocês e mais 500 mil serão, individualmente, depositados quando este trabalho tiver chegado ao seu final. Agora, se não se incomoda sr. Montezuma, gostaria de continuar a explanação, embora o senhor já tenha escrito muitas matérias e artigos sobre este assunto, disse em tom de quem gostaria de silêncio.

- O que eu fiz são textos literários, especulações que fazem com que esgotem os jornais nas bancas de revistas … - fui cortado imediatamente pelo Dr. Constantino que disse com sotaque inglês bem acentuado:

- Sr. Montezuma, conheço a sua situação deplorável. Aqui está o recibo do depósito feito em sua conta; com esse dinheiro poderá, por exemplo, comprar sapatos novos. Naquela caixa sobre a mesa está um notebock e uma câmera digital de última tecnologia, se houver interesse em nos seguir, pegue seu material e em silêncio comece a registrar nossa aventura, pois ela já começou.

Boquiaberto e constrangido, tentei esconder os pés e olhei, sem acreditar, para quantidade de zeros que haviam naquele recibo. “Nossa!” Não é que o velhote depositou mesmo os 500 mil reais! Abri a caixa e deixei o ancião mal humorado dar continuidade à suas elocuções fantasiosas. Pude perceber que quando o velho “manda chuva” falou que havia feito depósito em nossas contas, meus companheiros ficaram tão espantados que nem perceberam a fala do dr. Constantino numa referência, constrangedora, aos meus sapatos. Pensando bem, em alguns dias, no máximo um mês, eu estaria de volta e poderia novamente ter uma vida normal. Já fazia planos para o futuro: um apartamento, TV a cabo, internet, festas e …. mulheres! Nesse momento passei a incentivar a aventura. Eu estava empregado e ganhando muito bem, não havia motivo para reclamar.

- Bem, agora que o sr. dos sapatos risonhos resolveu prestar atenção, darei continuidade à palestra - alfinetou Constantino. O físico Bob Carlson coçou a cabeça e piscando os olhos pequenos e claros perguntou com sotaque americano:

- Quais os indícios da existência dessas cidades perdidas que levaram mister Fawcett a essa viagem sem volta?



- O coronel Percy Harrison Fawcett era amigo de grandes escritores, entre eles, Arthur Conan Doyle e Sir Rider Harggard que, em 1911, presenteou-lhe com uma estranha estatueta, de basalto negro que, possivelmente, seria proveniente de uma dessas cidades perdidas pelo interior do Brasil. Posteriormente, o próprio Fawcett teria encontrado diversas ruínas, na selva amazônica, que seriam indícios de postos avançados de uma cidade-mãe - esclareceu Constantino.

O instrumentista italiano Felipo Martinelli se mostrava inquieto e transpirava muito, talvez preocupado em não ser tão útil à expedição e, consequentemente, perder parte da bolada. Não sossegou enquanto não esclareceu a sua situação, perguntando:

- Desculpe-me - disse ele dirigindo-se ao Dr. Constantino - entendo a participação de todos os companheiros nesta viagem, no entanto, não consigo, por mais que eu tente, encaixar-me nela … sou um músico e ….
- Constantino cortou-lhe a fala:

- Todos aqui se encaixam perfeitamente na nossa aventura, inclusive você Felipo. Pode ficar tranquilo. Vou parar por hoje, todos devem estar ansiosos para tomarem providências particulares e, também, gastar um pouco da fortuna que acabam de receber. Enfim, façam tudo o que tiverem de fazer, hoje, pois a partir de amanhã, às 9h00, não nos separaremos mais. Tem mais … tenho dois quartos preparados para passarem a noite aqui e, assim sendo, ficarão dois de vocês em um, e três no outro quarto, organizem-se e bom descando - disse encerrando sua fala naquele dia.