sábado, 20 de junho de 2009

XII – A TRAIÇÃO



Sempre tive problemas com o sono; dormir, para mim, não é algo tão simples como é para a maioria das pessoas. O segundo turno da vigia seria meu. Eu tinha que descansar um pouco, enquanto Eleanora estava em alerta. Com muito custo peguei no sono, conseguindo dormir por cerca de quarenta minutos. Não conseguia continuar deitado, ainda mais sem o conforto de um bom colchão. Não tinha como negar, sou um bicho urbano; os malditos mosquitos e os grilos, com seus cantos noturnos, pareciam querer me enlouquecer. Naquele instante senti uma vontade louca de ouvir as buzinas, as vozes dos boêmios, do cheiro da tinta dos grafiteiros, das músicas pelos bares e restaurantes. Levantei-me e resolvi prosear um pouco com a Eleanora. Caminhei por uns vinte metros até chegar onde ela estava de vigia.

Fiquei surpreso ao ver que ela dormia feito uma criança! Então, percebi que foi bom não ter continuado na "cama" e pensei: "já que não consigo dormir, vou antecipar a minha guarda e liberá-la para que possa dormir de maneira mais confortável". Ao me aproximar dela, levei um grande susto: pude ver que em sua testa escorria um filete de sangue. Meu Deus, na verdade, ela estava desmaiada! - gritei por auxílio:

- Cerrado, Cerrado, Eleanora está ferida!

O sertanista levantou-se, meio atordoado e praguejando gritou:

- As armas..., as armas..., rápido!

- Sumiram todas - gritou Norma.

- Maldição - gritou Cerrado - levantem-se todos, depressa! - e virando para mim perguntou preocupado:

- Como ela está?

- Não sei - respondi - não parece mal, tem um pequeno ferimento na testa.

Constantino aproximou-se e comentou demonstrando tristeza:

- Eles conseguiram nos alcançar. Você calculou mal a hora da chegada deles, Cerrado.

- Na verdade, meu cálculo estava certo, doutor Constantino, não foram eles que feriram a Eleanora e roubaram nossas armas.

- Che cosa sta dicendo? - interrogou Felipo com olhos arregalados.

- Se fossem eles, não roubariam apenas as armas, teriam, também, nos rendido e nos aprisionado. Além do mais, ainda devem estar a umas seis horas daqui, se é que realmente nos procuram - argumentou Cerrado.

- Está sugerindo que um de nós fez esta barbaridade, Cerrado? É um pensamento atrevido de sua parte - berrou Azevedo.

Rapidamente me coloquei entre frente aos dois para evitar que eles se agredissem e pedi:

- Calma aí pessoal, calma. Acredito que o Cerrado tem razão... a mesma pessoa que pegou a arma deve ter matado Bob Carlson.

- Absurdo! - disse Sérgio Azevedo, teimando em não acreditar que entre nós havia um assassino.

Constantino empalideceu e procurou apoio para não cair, sentando-se em um tronco e pegando um lenço, secava o rosto molhado de suor. Não opinou, apenas ficou em silêncio profundo, remoendo seus pensamentos.

Eleanora estava voltando a si. Nesse instante lembrei-me de quando Cerrado me contou que ela sempre levava uma arma junto ao corpo. Me aproximei dela e cochichei ao seu ouvido:

- Ainda tem a sua arma consigo?

- Sim - respondeu ela.

- Então, não conte prá ninguém. Fique com ela, poderá precisar a qualquer momento. Levaram todas as nossas armas.

Pisquei para o Cerrado e lhe dei um sinal positivo, ele entendeu o que quis dizer. Agradeci aos céus, pois tínhamos, pelo menos, um revólver.

- Eleanora, vou atrair a atenção do Sérgio e do Felipo de forma que fiquem de costas para você. O bandido só pode ser um deles e vou tentar descobrir isso agora - planejei com ela.

Aproximei-me deles e arrisquei apontando o dedo para o Sérgio:

- Muito bem, Azevedo... pode acabar com a farsa e comece se explicando por que matou o Carlson e o que tem a ver com aquele helicóptero? São seus comparsas, não são?

- Você está louco? Vou quebrar sua cara seu....

A fúria de Azevedo foi interrompida por Norma que gritava:

- Vamos acabar logo com esse verme assassino, se não o matarmos ele fará conosco o que fez com Bob.

Naquele instante, Cerrado pode perceber, no rosto de Norma, um sorriso de satisfação, então voltou-se para ela e disse:

- Matar é simples para você, não é Norma?

A bióloga, com olhos arregalados, pegou uma pistola e apontando para todos ordenou:

- Fiquem onde estão! Sentem-se! Vamos aguardar pois, daqui há algumas horas, meus amigos devem estar chegando.

Olhando firmemente em seus olhos perguntei:

- Por que?

E ela respondeu o que não podíamos compreender até aquele momento:

- Só queremos seqüestrar o velho. Quanto a vocês, não sei qual é o plano de meus amigos, por mim já teria acabado com todos - afirmou demonstrando grande frieza.

- Você matou o Bob Carlson? - eu quis saber.

- É... ele ouviu uma conversa do Felipo com um dos nossos cúmplices e não podia ficar vivo - disse a bióloga.

- Foi Norma quem me indicou ao velho. Antes de vocês serem contactados, já tínhamos todo plano em mente e... até que foi bem mais simples do que imaginávamos - disse o italiano, sem sotaque, com ar zombeteiro.

- Malditos! - berrou Constantino.

- Cale-se velho! ordenou Felipo.

Azevedo indignado pulou sobre Felipo e rolando pelo chão, tentava, desesperadamente, desarmar o músico. Eleanora, aproveitando a distração da bióloga, pegou sua arma. No entanto, Norma virou-se e atirou rumo a Eleanora que, num gesto de proteção, deixou escapulir a sua arma. Azevedo, atirou-se ao chão e pegango a arma de Eleanora deu um tiro que atingiu o coração de Norma. Aproveitando aquele momento de grande confusão, Felipo, alucinado, atirou diversas vezes em Sérgio, que teve morte instantânea. Constantino observava, com os olhos arregalados, parecendo estar em estado de choque. Felipo, numa tntativa de fuga, desabou em um precipício estatelando por entre as rochas.

- Quanta morte! Não podia imaginar que tudo isso iria acontecer - lamentou Constantino.

- Ninguém poderia saber que Norma e Felipo eram dois assassinos - disse tentando amenizar a dor que Constantino deixava transparecer.

- O pior é que os mortos não podem dizer onde estão as nossas armas e temos que seguir viagem - disse Cerrado.

- Pobre Sérgio! Eu o acusei sem piedade e nem pude pedir desculpas a ele - falei aborrecido.

- Você está ferida, minha filha? - perguntou Constantino carinhosamente a Eleanora.

- Não conseguiram me acertar, eles não tinham experiência com armas. Na verdade acredito que eles estavam se iniciando na vida criminosa - disse Eleanora sendo interrompida por Cerrado.

- No entanto, mataram Bob Carlson, friamente e, sem hesitar, fizeram o mesmo com o Sérgio Azevedo. Malditos! Mereceram o final que tiveram. Seus cúmplices devem ter ouvido os disparos... vamos pegar as armas do Felipo e da Norma, juntar o essencial e cair fora daqui. Penso que sei a qual buraco se refere a carta, vamos prá lá, pois é a nossa única alternativa de fuga.

Constantino, demonstrando cansaço, disse a todos:

- Se quiserem, cancelo a expedição.

- De forma alguma, agora é que não podemos desistir. Passamos por momentos difícies e até perdemos nossos colegas de jornada, desistir, agora, seria loucura - opinou Cerrado.

- E, além disso, temos um portal para atravessar - tentei brincar.

Usamos a lona das barracas para enrolar os corpos, pois não havia tempo para sepultá-los; queimá-los poderia trazer graves conseqüências para a floresta. As armas de Norma e Felipo, com a de Eleanora, era tudo que tínhamos. Três revólveres contra, talvez, as armas sofisticadas dos seqüestradores. Assim sendo, melhor seria que não houvesse um confronto. Teríamos que passar pelos bandidos, sem que nos percebessem. Entre as coisas essenciais que pudemos pegar estava um GPS que nos ajudaria na localização.

- Vamos - decidiu Cerrado - não podemos perder tempo.

Constantino nos preocupava... estava quieto, decepcionado, talvez arrependido, como se a culpa das quatro mortes lhe pesassem sobre os ombros.

- Se quiserem desistir, eu entendo - disse ele sendo interrompido por Cerrado:

- Não temos mais essa opção. Se quisermos ter alguma chance contra aqueles canalhas, temos que continuar. Acredito que o túnel citado na carta é o mesmo em que estive e, se conseguirmos chegar na tal galeria, podemos esperar pelos bandidos nela. Na saída do túnel eles serão presa fácil, já que só passa um por vez.

- Acho que tem razão. Mas tem certeza que é esse o tal buraco? - perguntei.

- Não deve ter outro com tais características, Passei meus primeiro 20 anos de vida nesta região e acredito que deve ser o tal túnel - disse o sertanista.

Eleanora assentiu com a cabeça e passou as mãos, carinhosamente, nos ombros de Constantino dizendo:

Vamos! Temos que sair logo daqui.

Cerrado jogou-me um facão, alertando:

- Só use se for extremamente necessário. As picadas podem denunciar nossa trilha.


Um comentário:

  1. amei meu amigo,só não demore tanto com a continuação.estou ansionava para ler mais.bjusss Sandra Gasparotto

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