domingo, 24 de maio de 2009

IX – AS CARTAS DE MCCARTHY




Depois de acomodados e termos feito nossa primeira refeição na mata, Constantino pediu que nos reuníssemos junto ao fogo e explicou com seu sotaque inglês:

- Bem, agora que estamos isolados, podemos falar abertamente e esclarecer alguns pontos que eu não podia revelar enquanto estávamos na civilização.

- Sendo bastante sincero, Dr. Constantino, aguardava este momento com muita ansiedade - falei, mal acreditando que iria ouvir a revelação.

- Finalmente vou saber em que posso ser útil nesta aventura - disse o músico italiano.

- Saberão - afirmou Constantino.

- E sobre a morte estranha de Bob Carlson, saberemos também? - indagou Norma.

- Infelizmente, sobre isso não poderei falar nada além do que já sabem. Porém, posso afirmar que estamos em uma empreitada que pode causar uma revolução, mudar conceitos, derrubar teses e, enfim, as descobertas que podemos fazer não são possíveis de serem imaginadas. Então, também não é impossível que alguém tente nos impedir ou mesmo chegar antes de nossa equipe ao objetivo. Mas, se alguém pensa que pode se utilizar de meios nada éticos para nos impedir que alcancemos a nossa meta, está completamente equivocado - alertou Constantino.

Cerrado levantou-se, jogou o resto de café na fogueira e dirigiu-se a todos:

- Sendo possível o que está dizendo, reforço minhas suspeitas sobre o pouso daquele helicóptero. Estão atrás de nós.

- Dio mio! Noi tutti morire! - disse Felipo parecendo muito assustado.

- Se estão atrás do que procuramos, provavelmente não nos incomodarão até que encontremos o que eles querem... ia dizendo Eleanora, quando a interrompi:

- Porém, se querem apenas nos impedir de chegarmos ao destino, podem tentar acabar com a gente aqui mesmo. Não acham? - indaguei.

- Quando percebi que a morte de Carlson era suspeita, resolvi mudar os planos: não fomos a Barra do Garças, como estava previsto no início; resolvi pousar longe da serra tentando, assim, despistar alguém que, por ventura, quisesse nos seguir. Em parte, minhas providências foram frustradas, mas, em compensação, ganhamos algum tempo e os deixamos em dúvida - disse o sertanista.

- Como? - perguntou o biólogo Azevedo.

- Devem estar queimando os miolos tentando descobrir porque pousamos tão longe da serra. Podem estar pensando que a serra era uma pista falsa e, assim sendo, terão que vir ao nosso encalço; o que já devem estar fazendo, porque imaginam que se armarem uma emboscada próximo a serra, correm o risco de nunca nos pegarem, na hipótese de o nosso destino ser outro.

- Você está dizendo, com todo esse otimismo, que seremos perseguidos e caçados como animais? - gritou Felipo, sem o costumeiro sotaque italiano, demonstrando desespero.

- Não - interrompi - o que o Cerrado quer dizer é que ganhamos cerca de 14 horas para descansar e armar uma bela surpresa para esses canalhas que, quando nos encontrarem, estarão cansados e sedentos. Certo Cerrado?

- Exatamente isso Montezuma - respondeu o sertanista.

- Senhores, mais tarde o Sr. Antônio Cerrado dará todos os detalhes de como faremos para nos defender desses bandidos. Mas, agora, quero mostrar algo a vocês que vão deixá-los atônitos. Também quero esclarecer ao Sr. Felipo Martinelli sobre a importância dele na nossa equipe - insistiu Constantino dando continuidade a explanação:

- Bem, após a perda do coronel Fawcett nas selvas de Mato Grosso, surgiram várias tentativas de explicação para o seu desaparecimento. Uns dizem que foi assassinado pelos índios e até uma ossada foi localizada e atribuída a ele. Entretanto, nada ficou provado. Em 1947, um outro fato relacionado aos mistérios da Amazônia, aconteceu: o professor inglês Hugh McCarthy, ao tomar conhecimento das viagens de Fawcett, resolveu viajar de Nova Zelândia até o Brasil e, no Rio de Janeiro, passou a pesquisar documentos de Fawcett e suas expedições. Após examinar os documentos, viajou para Peixoto de Azevedo, na época uma pequena cidade, no norte de Mato Grosso. Lá conheceu o reverendo Jonathan Wells que já habitava naquela região há muitos anos - Constantino pigarreou e tomando um gole de água continuou sua narrativa:

- McCarthy contou ao Jonathan Wells o motivo de sua vinda ao Brasil. O reverendo, no entanto, tentou dissuadi-lo de seu intento explicando que a selva era muito perigosa, cheia de animais ferozes e índios hostis. Nada fez com que o professor desistisse de seu intento. Wells, então, ofereceu-lhe sete pombos correio para que ele mandasse notícias. McCarthy agradeceu e partiu em uma canoa para nunca mais voltar. Muitas semanas depois, o reverendo recebeu um dos pombos com uma carta explicando que ele havia sofrido um acidente, mas que estava em uma tribo indígena que cuidava muito bem dele. Jonathan Wells percebeu que aquela era a terceira carta; as duas primeiras não haviam chegado. Após muito tempo, o reverendo recebeu a quarta carta que relatava a sua situação na selva: ele dizia que estava sozinho, no meio da floresta e que escalaria o pico de uma montanha onde se encontrava, e que, certamente, iria chegar a cidade de ouro do coronel Fawcett. Dizia ainda - continuou Constantino - que se fracassasse, teria valido a pena. O reverendo, no entanto, não organizou expedição alguma para localizar a cidade de ouro, pensando que Hugh McCarthy havia enlouquecido e que as narrativas de suas cartas não passavam de delírios.

Mostrando cansaço, Constantino parou, para descansar, por cerca de 30 minutos e voltou com uma aparência melhor. Ele já estava com a idade avançada e teríamos que ter alguns cuidados. Eleanora serviu um café forte e quente a todos e Constantino prossegui a sua narrativa:

- O mapa que trazia a localização da cidade abandonada na selva de Mato Grosso, misteriosamente, desapareceu e, com ele, a possibilidade de encontrá-la. A misteriosa "Z" continua oculta. Parece que se esconde da ação devastadora do homem - finalizou olhando nos olhos de um por um de nós.

- Dr. Constantino, o que o senhor acabou de revelar não é novidade nenhuma; qualquer aluno do ensino fundamental sabe disso - falou decepcionada Eleanora.

- Calma doutora, o que ninguém sabe é que encontrei uma dessas cartas que o reverendo disse nunca ter chegado - revelou Constantino.

- O que!? Isso é fantástico! Tem prova de que é realmente uma das cartas? - perguntou vibrando Eleanora.
Você não acredita que eu esteja jogando uma fortuna pela janela, baseado em uma carta falsa, não é Eleanora? Por favor, sinceramente! A originalidade foi testada por oito dos dez maiores peritos arqueólogos do planeta! - disse Constantino meio aborrecido com a dúvida de Eleanora.

- Então isso explica o vazamento de informação - argumentou Cerrado.

- Não vamos voltar a esse assunto - pediu Norma - podemos ver esse documento?

- Tudo a seu tempo, minha cara... meu filho é músico, estava em Nova Iorque e resolvi procurar um objeto, realmente magnífico, para presenteá-lo em seu aniversário. Fiquei sabendo de um antiquário, especialista em instrumentos musicais, e fui encontrá-lo. Ele realmente tinha muitos objetos interessantes, mas a minha curiosidade e a vontade de dar algo inesquecível para o meu filho, fez com que ele me apresentasse ao seu instrumento mais precioso.

- Diabos - cortou Eleanora - o que isso tem a ver com a maldita carta? Não temos tanto tempo assim, Dr. Constantino.
Ignorando o protesto de Eleanora, Constantino continuou sua história:

- Um violão... um violão Sr. Felipo. O violão mais incrível, de afinação perfeita e som inigualável. De acordo com o antiquário, vindo da região amazônica do Brasil. O instrumento não tem selo e nem marca, não é industrial e deve ter sido fabricado a cerca de cento e cinquenta anos. Porém, alguns de seus acessórios datam de mais de cinco séculos. A madeira do braço é muito parecida com ébano, mas peritos garantem que não é e que nunca conheceram nada assim. É uma madeira desconhecida e foi curtida por cerca de duzentos anos para depois ser talhada.

- Questo è incredibile! - gritou entusiasmado Felipo.

- E, não é só. Eu resolvi periciar esse violão por alguns motivos: meu filho, insistentemente, dizia que aquele violão não era normal, que seu som era místico e que ele parecia fazer parte de quem o tocava. Certa vez, ele estava tocando Villa Lobos para mim e uma mosca pousou no bojo do violão e meu filho emocionado me disse:

- Papai! Estou sentindo...

- Sentindo o quê? - perguntei.
E ele respondeu emocionado:

- A mosca, como se estivesse pousado em mim!!!
Fiquei muito intrigado com isso e resolvi procurar novamente o antiquário em Nova Iorque que me revelou já ter sentido algo parecido com o que meu filho sentiu. Em vista do meu interesse, ele pediu que eu o seguisse até um quartinho nos fundos da loja e me falou: Dr. Constantino, minha especialidade é instrumentos musicais mas, esta estatueta foi adquirida pelo meu pai, junto com aquele violão, trazidos por um jovem inglês que dizia ter voltado de uma expedição catastrófica pelo Brasil. Segundo ele, seguindo as trilhas de um certo coronel Fawcett que teria desaparecido por lá.

- Perguntei ao antiquário se ele havia testemunhado o ocorrido e ele respondeu que o pai havia contado. O interessante é que adquiri a estatueta por uma pequena fortuna e ela era idêntica a que Fawcett teria recebido do escritor Rider Harggard, em 1911. O mais incrível é que as tarraxas do violão foram feitas com pedra igual a da estatueta - explicou Constantino.

- Tudo bem, mas o senhor está se esquecendo da carta! - disse Eleanora, demonstrando irritação.

- Está bem, o fato é que, durante a perícia feita no violão, pode-se constatar que dentro dele havia uma carta: esta que vou ler para vocês agora - Constantino colocou os óculos e os ajeitou ao nariz, olhou a cada um de nós e começou a leitura:


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