domingo, 24 de maio de 2009

X – A CARTA ENCONTRADA




"Caro amigo reverendo Jonathan Wells


Tento mais uma vez comunicar-me com você, pois nem sei se recebeu as outras mensagens que enviei anteriormente. Desta vez mando-a em mãos, haja vista que três dos sete pombos morreram em suas gaiolas, atacados por uma onça jaguatirica. Esta, porém, acredito que meu jovem ajudante Jeremiah conseguirá entregar-lhe.

Restam-me poucos homens da nossa expedição: fomos atacados por selvagens, guerreiros conhecedores da selva e de seus atalhos; apesar de nossas armas de fogo, não conseguimos fazer frente e vencer as suas lanças, flechas e porretes. Este teu amigo, Jeremiah e Messias conseguimos fugir desesperados e por sorte encontramos um buraco estreito, em um ponto da Serra do Roncador, onde só se consegue passar um homem de cada vez. Entramos no buraco e, após dois dias nos arrastando por esse túnel pouco oxigenado, fomos parar em uma galeria, ocasião em que Messias, com problemas respiratórios, veio a falecer. Pudemos perceber que nessa galeria havia uma outra saída: um pequeno túnel de onde saía muita luz e, também, podíamos ouvir, de quando em quando, um som ensurdecedor. Passamos mais dois dias na galeria, na tentativa de recuperar as forças antes de seguir viagem. Teríamos que decidir: voltar pelo mesmo caminho, correndo o risco de encontrar novamente com os selvagens, ou seguir em direção a luz do túnel sem saber onde ia dar. Pelo fato dessa luz não conter calor, deduzimos que não era proveniente de nenhum vulcão e, talvez, seria um caminho mais curto para percorrer.

Reverendo, o senhor não faz idéia do que encontramos nessa galeria, antes de seguirmos pelo túnel! Um chapéu muito parecido com o que Fawcett usava, aliás, é quase certo que seja o dele.

Ao sairmos do túnel de luz, após umas cinco horas de jornada, chegamos a um portal que era a fonte de toda aquela luz. Quando passamos por ela sentimos a dor mais intensa que um ser humano pode sentir. Parecia que estávamos sendo divididos em milhões e milhões de pedaços e éramos batidos e arremessados como se estivesse no centro de um furacão. Não sei precisar quanto tempo durou esse fato.

Acordamos às margens de um imenso lago de águas cristalina e ao seu redor uma paisagem de beleza sem fim, um céu com rajadas lilás e laranja; o sol lançava seus raios em algumas nuvens, tão brancas como algodão, criando contornos dourados em cada uma delas. Tudo era tão infinitamente lindo que me é impossível descrever sem ser injusto com a mais bela criação de Deus. Colombo, ao pisar na América, não sentiu um milésimo do que senti ao fitar tamanha obra divina. Flores de todas as espécies exalam seus perfumes e salpicam de colorido um tapete matizado com centenas de tonalidades da cor verde; os frutos pendurados em cachos nas árvores, mais parecem adornos em tonalidades amarela, vermelha, roxa, verde e mil outras cores. No ar o cheiro agradável da uva, da laranja, da maçã, entre outras nunca vistas por nós. Os animais, que em nosso sistema são carnívoros, aqui andam lado a lado com os cervos e lambem nossas mãos sem nenhuma agressividade.

Perdemos a noção do tempo. Nossos relógios param e horas mais tarde voltam a funcionar, por essa razão, não sei lhe dizer há quanto tempo estamos aqui.

Caminhamos por lugares incríveis até chegarmos a uma comunidade formada por artesãos. Eles nos acolheram e trataram nossas feridas. Aqui come-se pouco e ninguém colhe os frutos além do necessário; durante três vezes por dia, sentimos que uma grande energia nos alimenta o corpo e a alma, nessa hora podemos sentir sabor e aroma deliciosos; essa energia é chamada de Anágma.

Os artesãos só fazem suas artes e construções a partir de matéria morta, não cortam árvores, não matam animais e não estragam os frutos ali existentes. A Anágma, de acordo com eles, retira o néctar, o sabor e as substâncias das plantas e dos frutos; as proteínas dos animais fazendo uma mistura e, quando a luz nos toca, ficamos alimentados e confortados. É como se tivesse, realmente, comido e sentido o sabor de tudo. É um mundo espiritual, meu amigo, embora ainda sejamos de carne e osso.

Através de Jeremiah, que Deus o ajude a chegar bem, estou lhe enviando um presente valioso: um violão que igual não existe, feito por maravilhosos artesãos daqui deste lugar; o homem que tocá-lo não estará executando uma canção e sim transformando-se nela. Não sei se em nosso mundo impuro ele terá os mesmos poderes, mas alguns, com certeza, hão de lhe restar.

Reverendo, envio esta carta pelo Jeremiah, pessoa de minha inteira confiança, e por achar injusto que o amigo fique preocupado comigo. Peço, encarecidamente que depois que ler esta carta a destrua, pois seria horrível ver este mundo invadido pela maldade e pela impureza dos homens que habitam aí desse lado.

Quanto a mim, jamais voltarei! Pois torna-se impossível, conhecer um lugar como este de tamanha beleza e com seres que não conhecem a maldade, e querer voltar a um mundo tão cheio de violência e desrespeito ao próximo.
Adeus meu bom amigo!"



IX – AS CARTAS DE MCCARTHY




Depois de acomodados e termos feito nossa primeira refeição na mata, Constantino pediu que nos reuníssemos junto ao fogo e explicou com seu sotaque inglês:

- Bem, agora que estamos isolados, podemos falar abertamente e esclarecer alguns pontos que eu não podia revelar enquanto estávamos na civilização.

- Sendo bastante sincero, Dr. Constantino, aguardava este momento com muita ansiedade - falei, mal acreditando que iria ouvir a revelação.

- Finalmente vou saber em que posso ser útil nesta aventura - disse o músico italiano.

- Saberão - afirmou Constantino.

- E sobre a morte estranha de Bob Carlson, saberemos também? - indagou Norma.

- Infelizmente, sobre isso não poderei falar nada além do que já sabem. Porém, posso afirmar que estamos em uma empreitada que pode causar uma revolução, mudar conceitos, derrubar teses e, enfim, as descobertas que podemos fazer não são possíveis de serem imaginadas. Então, também não é impossível que alguém tente nos impedir ou mesmo chegar antes de nossa equipe ao objetivo. Mas, se alguém pensa que pode se utilizar de meios nada éticos para nos impedir que alcancemos a nossa meta, está completamente equivocado - alertou Constantino.

Cerrado levantou-se, jogou o resto de café na fogueira e dirigiu-se a todos:

- Sendo possível o que está dizendo, reforço minhas suspeitas sobre o pouso daquele helicóptero. Estão atrás de nós.

- Dio mio! Noi tutti morire! - disse Felipo parecendo muito assustado.

- Se estão atrás do que procuramos, provavelmente não nos incomodarão até que encontremos o que eles querem... ia dizendo Eleanora, quando a interrompi:

- Porém, se querem apenas nos impedir de chegarmos ao destino, podem tentar acabar com a gente aqui mesmo. Não acham? - indaguei.

- Quando percebi que a morte de Carlson era suspeita, resolvi mudar os planos: não fomos a Barra do Garças, como estava previsto no início; resolvi pousar longe da serra tentando, assim, despistar alguém que, por ventura, quisesse nos seguir. Em parte, minhas providências foram frustradas, mas, em compensação, ganhamos algum tempo e os deixamos em dúvida - disse o sertanista.

- Como? - perguntou o biólogo Azevedo.

- Devem estar queimando os miolos tentando descobrir porque pousamos tão longe da serra. Podem estar pensando que a serra era uma pista falsa e, assim sendo, terão que vir ao nosso encalço; o que já devem estar fazendo, porque imaginam que se armarem uma emboscada próximo a serra, correm o risco de nunca nos pegarem, na hipótese de o nosso destino ser outro.

- Você está dizendo, com todo esse otimismo, que seremos perseguidos e caçados como animais? - gritou Felipo, sem o costumeiro sotaque italiano, demonstrando desespero.

- Não - interrompi - o que o Cerrado quer dizer é que ganhamos cerca de 14 horas para descansar e armar uma bela surpresa para esses canalhas que, quando nos encontrarem, estarão cansados e sedentos. Certo Cerrado?

- Exatamente isso Montezuma - respondeu o sertanista.

- Senhores, mais tarde o Sr. Antônio Cerrado dará todos os detalhes de como faremos para nos defender desses bandidos. Mas, agora, quero mostrar algo a vocês que vão deixá-los atônitos. Também quero esclarecer ao Sr. Felipo Martinelli sobre a importância dele na nossa equipe - insistiu Constantino dando continuidade a explanação:

- Bem, após a perda do coronel Fawcett nas selvas de Mato Grosso, surgiram várias tentativas de explicação para o seu desaparecimento. Uns dizem que foi assassinado pelos índios e até uma ossada foi localizada e atribuída a ele. Entretanto, nada ficou provado. Em 1947, um outro fato relacionado aos mistérios da Amazônia, aconteceu: o professor inglês Hugh McCarthy, ao tomar conhecimento das viagens de Fawcett, resolveu viajar de Nova Zelândia até o Brasil e, no Rio de Janeiro, passou a pesquisar documentos de Fawcett e suas expedições. Após examinar os documentos, viajou para Peixoto de Azevedo, na época uma pequena cidade, no norte de Mato Grosso. Lá conheceu o reverendo Jonathan Wells que já habitava naquela região há muitos anos - Constantino pigarreou e tomando um gole de água continuou sua narrativa:

- McCarthy contou ao Jonathan Wells o motivo de sua vinda ao Brasil. O reverendo, no entanto, tentou dissuadi-lo de seu intento explicando que a selva era muito perigosa, cheia de animais ferozes e índios hostis. Nada fez com que o professor desistisse de seu intento. Wells, então, ofereceu-lhe sete pombos correio para que ele mandasse notícias. McCarthy agradeceu e partiu em uma canoa para nunca mais voltar. Muitas semanas depois, o reverendo recebeu um dos pombos com uma carta explicando que ele havia sofrido um acidente, mas que estava em uma tribo indígena que cuidava muito bem dele. Jonathan Wells percebeu que aquela era a terceira carta; as duas primeiras não haviam chegado. Após muito tempo, o reverendo recebeu a quarta carta que relatava a sua situação na selva: ele dizia que estava sozinho, no meio da floresta e que escalaria o pico de uma montanha onde se encontrava, e que, certamente, iria chegar a cidade de ouro do coronel Fawcett. Dizia ainda - continuou Constantino - que se fracassasse, teria valido a pena. O reverendo, no entanto, não organizou expedição alguma para localizar a cidade de ouro, pensando que Hugh McCarthy havia enlouquecido e que as narrativas de suas cartas não passavam de delírios.

Mostrando cansaço, Constantino parou, para descansar, por cerca de 30 minutos e voltou com uma aparência melhor. Ele já estava com a idade avançada e teríamos que ter alguns cuidados. Eleanora serviu um café forte e quente a todos e Constantino prossegui a sua narrativa:

- O mapa que trazia a localização da cidade abandonada na selva de Mato Grosso, misteriosamente, desapareceu e, com ele, a possibilidade de encontrá-la. A misteriosa "Z" continua oculta. Parece que se esconde da ação devastadora do homem - finalizou olhando nos olhos de um por um de nós.

- Dr. Constantino, o que o senhor acabou de revelar não é novidade nenhuma; qualquer aluno do ensino fundamental sabe disso - falou decepcionada Eleanora.

- Calma doutora, o que ninguém sabe é que encontrei uma dessas cartas que o reverendo disse nunca ter chegado - revelou Constantino.

- O que!? Isso é fantástico! Tem prova de que é realmente uma das cartas? - perguntou vibrando Eleanora.
Você não acredita que eu esteja jogando uma fortuna pela janela, baseado em uma carta falsa, não é Eleanora? Por favor, sinceramente! A originalidade foi testada por oito dos dez maiores peritos arqueólogos do planeta! - disse Constantino meio aborrecido com a dúvida de Eleanora.

- Então isso explica o vazamento de informação - argumentou Cerrado.

- Não vamos voltar a esse assunto - pediu Norma - podemos ver esse documento?

- Tudo a seu tempo, minha cara... meu filho é músico, estava em Nova Iorque e resolvi procurar um objeto, realmente magnífico, para presenteá-lo em seu aniversário. Fiquei sabendo de um antiquário, especialista em instrumentos musicais, e fui encontrá-lo. Ele realmente tinha muitos objetos interessantes, mas a minha curiosidade e a vontade de dar algo inesquecível para o meu filho, fez com que ele me apresentasse ao seu instrumento mais precioso.

- Diabos - cortou Eleanora - o que isso tem a ver com a maldita carta? Não temos tanto tempo assim, Dr. Constantino.
Ignorando o protesto de Eleanora, Constantino continuou sua história:

- Um violão... um violão Sr. Felipo. O violão mais incrível, de afinação perfeita e som inigualável. De acordo com o antiquário, vindo da região amazônica do Brasil. O instrumento não tem selo e nem marca, não é industrial e deve ter sido fabricado a cerca de cento e cinquenta anos. Porém, alguns de seus acessórios datam de mais de cinco séculos. A madeira do braço é muito parecida com ébano, mas peritos garantem que não é e que nunca conheceram nada assim. É uma madeira desconhecida e foi curtida por cerca de duzentos anos para depois ser talhada.

- Questo è incredibile! - gritou entusiasmado Felipo.

- E, não é só. Eu resolvi periciar esse violão por alguns motivos: meu filho, insistentemente, dizia que aquele violão não era normal, que seu som era místico e que ele parecia fazer parte de quem o tocava. Certa vez, ele estava tocando Villa Lobos para mim e uma mosca pousou no bojo do violão e meu filho emocionado me disse:

- Papai! Estou sentindo...

- Sentindo o quê? - perguntei.
E ele respondeu emocionado:

- A mosca, como se estivesse pousado em mim!!!
Fiquei muito intrigado com isso e resolvi procurar novamente o antiquário em Nova Iorque que me revelou já ter sentido algo parecido com o que meu filho sentiu. Em vista do meu interesse, ele pediu que eu o seguisse até um quartinho nos fundos da loja e me falou: Dr. Constantino, minha especialidade é instrumentos musicais mas, esta estatueta foi adquirida pelo meu pai, junto com aquele violão, trazidos por um jovem inglês que dizia ter voltado de uma expedição catastrófica pelo Brasil. Segundo ele, seguindo as trilhas de um certo coronel Fawcett que teria desaparecido por lá.

- Perguntei ao antiquário se ele havia testemunhado o ocorrido e ele respondeu que o pai havia contado. O interessante é que adquiri a estatueta por uma pequena fortuna e ela era idêntica a que Fawcett teria recebido do escritor Rider Harggard, em 1911. O mais incrível é que as tarraxas do violão foram feitas com pedra igual a da estatueta - explicou Constantino.

- Tudo bem, mas o senhor está se esquecendo da carta! - disse Eleanora, demonstrando irritação.

- Está bem, o fato é que, durante a perícia feita no violão, pode-se constatar que dentro dele havia uma carta: esta que vou ler para vocês agora - Constantino colocou os óculos e os ajeitou ao nariz, olhou a cada um de nós e começou a leitura:


sexta-feira, 15 de maio de 2009

VIII - SERRA DO RONCADOR



O helicóptero pousou em uma clareira a cerca de dez quilômetros da Serra do Roncador. Enquanto descarregávamos nossos equipamentos, em minha mente era agitada por um turbilhão de idéias aflitas. Logo em seguida, o helicóptero levantou vôo deixando-nos completamente a sós no meio daquela mata que era muito bonita mas, assustadora. O silêncio era tão grande que podíamos ouvir um ruído por mais baixo que fosse. Olhamos a nossa volta e não víamos outra coisa a não ser mato. Logo começaria a escurecer e tudo ficaria mais terrível ainda. Nossa! Não via a hora de voltar para a cidade e poder usufruir de todo aquele dinheiro que me esperava.
Cerrado pediu-nos que aproximássemos e informou:

- Por hoje acamparemos aqui, portanto, montem suas barracas e vamos preparar algo para comer. Mais tarde o Dr. Constantino fará algumas revelações a vocês.

Norma caminhou alguns passos e com os olhos firmes no céu nos alertou:

- Estão ouvindo isso? Parece que o helicóptero está voltando! Olhem!... já se pode ver!

- Não é o nosso! Esse é outro helicóptero e parece que vai pousar próximo daqui - inteirou o biólogo Sérgio Azevedo que, até então, pouco falava.

- Isso não é bom! - emendou Cerrado - vamos ficar atentos e com as armas ao alcance. Temos que nos manter unidos e não se afastem do acampamento.

Pelo semblante preocupado dava para perceber que o sertanista farejava encrenca no ar. Então me dirigi a ele:

- O que tem, amigo?

- Antes de iniciarmos a expedição já perdemos um homem, não quero perder mais ninguém.

Felipo nos interrompeu gritando em italiano:

- Lasciare un caldo caffè!

- Em boa hora! - comentou Eleanora se dirigindo para a pequena fogueira.

- Não é bom que apaguemos o fogo? - perguntei a Antônio Cerrado.

- Deixemos que saibam nossa localização. Se houver um confronto é melhor que seja logo; em todo o caso, se vierem atrás de nós, só nos alcançarão amanhã. Vou preparar uma boa recepção para eles - afirmou.

Eleanora se aproximou e, com um belo sorriso, ofereceu-me uma caneca de café. Sorvi alguns goles e olhando para ela disse:

- Sabe Eleanora, começo a questionar se valeu, realmente, a pena aceitar este trabalho... estou pressentindo muitos problemas pela frente.

- Claro que valeu, Montezuma! Não percebe como está escrevendo? É muito bonito ver você escrever: seu rosto assume feições diversas... vejo você transpirar prazer.

- Sério? Pensei que não fosse mais se dirigir a mim!

- Só não sou pegajosa: se estou a fim converso, do contrário ignoro.

- Meio egoísta sua visão de relacionamento.

- Não sou hipócrita, apenas isso.

- Você é linda, mas também muito complicada. Me apavora a idéia de me apaixonar por você.

- É bom que não se apaixone; se pintar clima a gente faz amor, mas por pura atração sexual, sem sentimentos envolvidos.

- Não, obrigado. Eu passo, vamos deixar as migalhas para os famintos.

- Pretensioso, quem disse que eu transaria com você? Volte a se distrair com o seu computador - disse se afastando zangada.

Cerrado nos observava e cochichou em meus ouvidos:

- Parabéns Montezuma, você conseguiu deixá-la irritada. Geralmente, ela não se irrita com os homens, apenas os ignora. Você parece ser especial, mexe com ela.

Parece que a sereia, finalmente, foi fisgada - brincou ele.

- Que morra com o anzol na boca! Não quero nem papo com essa bruxa!

- Xiii... será que você também se apaixonou?

- Não me perturba Cerrado, vai procurar o que fazer.

VII - O CRIME



Quando entrei no restaurante do hotel, o clima estava tenso: todos estavam reunidos, com excessão do físico americano Bob Carlson. Cerrado já se encontrava entre eles. Fiquei, por alguns instantes, observando e pude notar que estavam agitados. Felipo andava de lá para cá, enquanto que Constantino passava, com frequência, a mão pela cabeça. Resolvi saber o que de tão grave estava acontecendo e perguntei:

- Ei! O que está acontecendo?

- Bob Carlson morreu... parece que deu uma fugida pra cidade, e foi vítima de assaltantes - disse, com ar triste, o sertanista.

- Caramba! Como pode? Em plena luz do dia...resmunguei assustado.

- De acordo com a polícia, o Bob deve ter reagido ao assalto. Os bandidos não levaram nada, nem dinheiro, celular ou relógio, estranho, não? Acho que tem ligação com nossa viagem e como apenas nós sabemos sobre ela, é bom, meu amigo, dormir-mos com um olho bem aberto - advertiu Cerrado.

- Já disse isso aos outros? - perguntei.

- Está louco? Aqui não sabemos quem é o lobo e quem é o cordeiro... só preveni a Eleanora e agora estou alertando você - disse apertando os olhos.

- Por que confia em mim?

- Acho que pelos seus antigos sapatos e pela mancada que deu com a Eleanora. Você não tem perfil de bandido - zombou Cerrado.

- As vezes sei ser mau - respondi com ar irônico.

- É... você é mesmo assustador! Vamos esperar notícias, enquanto jantamos - disse sorrindo, o sertanista.

- Jantar? Depois de uma tragédia dessas? Não tenho estômago! - falei sentindo uma certa repugnância por tudo aquilo.

- Problema seu. Não consigo dispensar uma costelinha de porco - brincou Cerrado.

- Com essa morte, será que nossa viagem chegou ao seu final? - indaguei.

- Depende da polícia e da perícia, por enquanto tudo segue como o planejado - respondeu ele.
Após alguns minutos, resolvi que jantaria e me dirigi para o restaurante do hotel. No imenso salão só estavam Eleanora e Cerrado que, animadamente, conversavam como se nada tivesse acontecido. Ela respondeu ao meu cumprimento, mas sem dar-me atenção. Parecia que os dois tinham muita coisa para por em dia. Eleanora estava mais linda do que nunca: vestia um vestido verde escuro que deixava à mostra seus seios fartos, os cabelos longos e soltos caiam em cascata pelos ombros de pele morena.
Fiquei ali olhando-a até que uma voz fez-me voltar a realidade:

- Assim que puderem venham para a sala de reunião, precisamos conversar - pediu nosso contratante.

Terminamos o jantar e em seguida fomos ao encontro de Constantino que nos informou que a viagem continuaria como programado e, apenas, não passaríamos por Barra do Garças, seguiríamos direto para a Serra do Roncador. A viagem seria de helicóptero. Constantino recebeu os agentes de polícia e deu todas as informações necessárias. Assim, ficamos isentos e nem precisamos ser ouvidos por eles. Após a conversa com os policiais, Constantino apresentou-nos à arqueóloga, Norma Mattos: muito bonita mas sisuda e de pouca conversa; sua pele era clara e os cabelos bem louros, dando para notar que eram tingidos; aparentava entre 30 e 35 anos, o corpo bem feito e um pouco mais de 1,70 de altura.

O dia foi exaustivo, pedi licença e subi para o quarto: tentaria dormir. Confesso que as suspeitas do Cerrado me deixaram apavorado e não me agradava nem um pouco a possibilidade de ir para o meio da selva com um assassino. Por outro lado, nada indicava que essa morte tivesse algo a ver com nossa expedição.

A noite foi longa, não conseguia dormir, mas quando começou a amanhecer, vencido pelo cansaço, tentei me convencer de que tudo não passava de imaginação do Cerrado, ou que, na pior das hipóteses, o que ele queria era me assustar. Acabei adormecendo.

Na hora marcada, Constantino já nos esperava no heliporto. Seria mais um dia cansativo, pois eu havia conseguido dormir cerca de meia hora. Disfarçadamente, me aproximei dele e tentei arrancar alguma informação:

- Como faremos agora sem o físico? Ele era muito importante para a expedição? - perguntei.

- Como era! Em determinado ponto do nosso trajeto, suas informações seriam muito úteis - afirmou Constantino.

- É um portal, não é, Dr. Constantino? Um portal para outra dimensão ou plano... e o senhor tem as provas da existência dele! - Constantino continuou calado me observando e continuei: não são apenas alucinações de um milionário excêntrico!

- É um homem muito esperto sr. Montezuma, mas não falemos sobre isso, por favor, até chegarmos ao local - pediu fazendo um gesto com as mãos como se estivesse cansado de tudo aquilo.

- Só mais uma coisa, por favor: a morte de Bob tem ligação com tudo isso, não é? - insisti.

- Tudo indica que sim, agora... quem é o responsável... não tenho como saber - respondeu mostrando preocupação.

- A polícia... como ela nos liberou? - quis saber.

- Foi necessário que eu utilizasse a minha influência. Quando voltarmos eles já terão descoberto o assassino - respondeu o velho, com o cansaço estampado no rosto.

- E se for um de nós? - voltei a perguntar.

- Pouco provável, entretanto é um risco que teremos que correr - disse ele apontando para o helicóptero que já estava pronto para decolar.